Por Ricardo Pessetti, de Brasília (DF)
Nos últimos dois dias, em Brasília, os corredores e os gabinetes dos deputados federais foram o cenário de uma grande articulação política que teve o seu ponto alto a impetração no Superior Tribunal Federal (STF) de um mandado de segurança para barrar a tramitação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 287 /2016, conhecida como “Reforma da Previdência”.
O mandado de segurança, construído por um grupo de juristas liberados pelo SITRAEMG e pelo Instituto de Estudos Previdenciários (IEPREV), teve a adesão de 26 deputados federais que viram, na proposta e nos argumentos construídos, a possibilidade real parar o aceite do STF e a consequente paralisação da PEC da “Reforma da Previdência” na Câmara dos Deputados. Após a impetração, o mandado de segurança (veja COPIA) será entregue a algum ministro do STF, que tomará a decisão de conceder ou não a medida liminar de paralisação.
A peregrinação
De porta em porta, deputado por deputado, os representantes do grupo de juristas, Alan da Costa Macedo, coordenador geral do SITRAEMG, Roberto de Carvalho, presidente do IEPREV, e a secretária do Sindicato Liliane Dias apresentaram a proposta e os objetivos técnicos que formam o mandado de segurança.
Na ação, o grupo questiona a falta de um estudo de sustentabilidade a longo prazo da PEC e a inconstitucionalidade da mesma, por contrariar os artigos 10, 40 e 201 da Constituição da República. Uma das exigências da Constituição é que, para a matéria tramitar, é preciso que se tenha uma discussão prévia e aprovação colegiada com a participação dos trabalhadores junto ao Conselho Nacional da Previdência Social. Outra questão apresentada é que a PEC não está acompanhada de estudo atuarial, ou seja, um estudo estatístico que analise a expectativa de vida do brasileiro, a arrecadação previdenciária atual e futura, as projeções de taxas de desemprego e demais indicadores que afetam a receita e a despesa de benefícios previdenciários a médio e longo prazos.
Já na primeira visita, na manhã de quarta-feira (8), o grupo de representantes pode ver que todo o trabalho de construção da peça e articulação política não seriam em vão. O deputado federal Adelmo Carneiro Leão (PT/MG) foi o primeiro parlamentar a assinar a ação e encabeçar a tomada de assinatura de outros parlamentares de oposição à proposta do governo Temer.
“O deputado federal Adelmo foi o pioneiro de toda essa ação. Ficamos muito felizes em observar a sensibilidade do parlamentar ao perceber os problemas sociais envolvidos na PEC da ‘Reforma da Previdência’. Se nós conseguirmos a medida liminar para barrar a tramitação da proposta, com certeza, nos sentiremos brasileiros honrados em participar de um processo histórico de luta contra a arbitrariedade e a falta de democracia”, comentou Alan Macedo.
Adelmo Carneiro Leão, que além de deputado federal também é médico, fez uma metáfora para justificar a sua assinatura. “Na medicina, pra gente fazer um bom tratamento, a gente tem que fazer um bom diagnóstico. Se faz uma pesquisa, você escuta a pessoa, ou seja, você faz um conjunto de ações para produzir o melhor diagnóstico e fazer o tratamento adequado. As mesmas coisas temos que fazer com as questões de interesse público e em relação à questão previdenciária. Nós temos que ter um diagnóstico da previdência para fazer as reformas necessárias, para que a trabalhadora e o trabalhador brasileiro tenham uma previdência que garanta os seus direitos fundamentais respeitados”, salientou.
O presidente do IEPREV, Roberto de Carvalho, também comentou a adesão do deputado e o importante passo no seguimento do mandado de segurança. “É exatamente contra isso que nós estamos nos insurgindo. Eles estão apresentando um remédio que vai matar o paciente. O remédio é amargo, mal formatado, mal elaborado, porque não houve nenhum cálculo atuarial, não houve nenhum cálculo econômico que explicasse, por exemplo, a escolha da idade mínima de 65 anos para se aposentar. E nós temos um documento do presidente da Câmara dos Deputados expondo que o Ministério da Fazenda não apresentou nenhum estudo para justificar essas decisões. Isso é um vício que macula todo o processo legislativo”, explicou.
Após a primeira visita, a notícia sobre o mandado de segurança já começou a correr pelos corredores e gabinetes da Câmara. A cada 15 minutos, o grupo recebia notícias de outros parlamentares também gostariam de assinar. Porém, o grupo não se deu por satisfeito e continuou a peregrinação, tentando conseguir mais adesões. E assim foi feito com o deputado federal Weliton Prado (PMB/MG), que assim que tomou conhecimento, prontamente atendeu ao pedido e aderiu à assinatura do mandado. “Fiz questão de assinar. E primeiramente agradeço a iniciativa do SITRAEMG e do IPREV, porque estão cobertos de razão em fazer esse mandado. Não se justifica o governo camuflar e não mostrar a verdadeira realidade dos números em relação à previdência. Não é certo e não é justo o governo querer jogar nas costas dos trabalhadores todos os problemas do país. Nós temos várias alternativas para equilibrar as contas, como, por exemplo, fazer a auditoria da dívida pública, taxar as grandes fortunas e os bancos. O que não pode é sacrificar o trabalhador”, afirmou o parlamentar.
E assim foi durante toda quarta e quinta-feira na Câmara dos Deputados, em Brasília, a cada nova visita, um novo apoio. Mas o grupo não queria apenas que os deputados de oposição ao governo Temer tomassem conhecimento da ação. O grupo queria mais e também foi visitar deputados da base aliada do governo.
Situação. Pero no mucho!
Que a proposta da “Reforma da Previdência” veio diretamente das mãos do presidente Temer, todo mundo sabe. Porém, nem todo mundo tinha ciência de que não é toda a base aliada do governo que concorda integralmente ou não concorda com a PEC 287/2016.
Em visita ao deputado Mauro Lopes (PMDB/MG), o grupo encontrou um deputado federal do mesmo partido do presidente que não concorda e rechaça a PEC encaminhada pelo seu líder. Após apresentação dos argumentos para barrar a sua tramitação, os representantes encontraram um opositor à PEC e um apoiador a ideia de impetrar ao mandado de segurança.
A assinatura para a ação não era possível. Porém, o apoio veio por meio de suas palavras. “Rapaz, não vai dar. Não aprova de jeito nenhum. Eles colocaram o bode na sala e deu burburinho. A proposta da previdência quer acabar com as pensionistas, as viúvas, as nossas mulheres e as nossas mães. Essa proposta tá errada, não tem condição. É o seguinte, nós temos que proteger as mulheres. Nós, homens, somos 49%, elas são 51% da população brasileira, mas as mulheres são mães dos 100%”, brincou o deputado.
O deputado federal Lincoln Portela (PRB/MG) também se posicionou contra a PEC. Disse ter posição independente na câmara que irá convidar os juristas do SITRAEMG e do IEPREV para oferecer um curso para toda a bancada do seu partido, no intuito de sensibilizar os parlamentares para a importância da discussão sobre a previdência e os impactos que a população pode sofrer caso a proposta seja aprovada nos termos atuais.
Posição parecida foi a do deputado federal Eduardo Barbosa (PSDB/MG). Apesar do PSDB ainda não ter uma posição unânime, disse que o novo líder do partido, Eduardo Trípoli, está realizando seminários sobre a previdência. Pediu para que as propostas do SITRAEMG e do IEPREV fossem enviadas para a análise do parlamentares do partido. “Agora, por exemplo, a proposta do Congresso, por mais barulho que tenha, dizer que não vai ter nenhuma mexida, é complicado. No meu entendimento, existe uma força fundamentada para a mudança. Que vai ter mudança vai. Agora, o que nós temos que ver é, justamente, no meu entendimento, preservar os mais pobres”, ressaltou o deputado peessedebista.
E assim transcorreram os dois dias de peregrinação na Câmara dos Deputados. Entre apoios unânimes e velados, os representantes dos juristas do SITRAEMG e do IEPREV se deram por vitoriosos, porque deram um passo importante para a defesa do direito dos trabalhadores e do futuro da população brasileira.
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