Ano passado, o movimento sindical brasileiro se viu obrigado a enfrentar um projeto de reforma constitucional que visava colocar uma pá de cal na garantia de serviços públicos esculpida na Constituição que veio com o fim da ditadura. Nada mais precisaria ser “público”, exceto cargos de poder. A reforma não passou, mas a boiada passa naquilo que Paulo Guedes chamou de “reforma administrativa invisível”.
Os direitos sociais previstos na Constituição só podem ser garantidos pelo serviço público. E o desmonte desse serviço não é apenas um “projeto do governo”. É, sim, um projeto do atual governo. Mas também é de muitos que atualmente não se colocam publicamente nesse campo político, independente de que tenham ou não se colocado nele no passado.
Vi num debate presidencial, estes dias, alguém falando em iniciativa privada “atuando em caráter suplementar” ao SUS. Uma formulação que não apenas nos traz uma pretensão programática, aliás já conhecida, mas mais do que isso nos mostra o exemplo do malabarismo possível para dizer as coisas sem dizer as coisas. Como se para haver uma “atuação complementar” privada não fosse necessário deixar de haver uma “atenção integral” do Estado. Como se o interesse por trás daquilo que passa de “integral” público para “complementar” privado não fosse o de lucro.
Voltando ao TRT, a relação entre as propostas de precarização de trabalho que vem sendo implementadas neste Tribunal e o projeto do poder econômico não é mera coincidência. E grande parte dos problemas vividos aqui é fruto do que vem sendo operado desde Brasília, com inovações como a Emenda do Teto de Gastos. De cada nove cargos existentes no quadro do TRT mineiro, um está vago. E as promessas mais otimistas falam do preenchimento de aproximadamente um terço dessa defasagem
Nesse contexto, voltamos ao problema de dizer as coisas sem dizer as coisas. Residência é um nome tirado de um contexto de aprendizagem necessário para quem quer ser médico. Mas aqui é colocado para suprir uma carência de servidores. Porém, a palavra suprir ainda pode dar a ideia de algo temporário. Existe perspectiva de suprir todos os cargos vagos?
A terceirização na área fim também vem chegando anunciada como tendo caráter “suplementar”. Mas por quanto tempo? Quem nos diz onde isso vai estacionar? Qual o sinal que o Judiciário nos dá de contraposição ao projeto nacional de desmonte do serviço público?
Nós servidores públicos e trabalhadores em geral apreendemos que a história é capaz de caminhar para trás ou para a frente, mas também que é possível fazê-la mudar de rumo. É bem verdade que nos últimos anos, a experiência mais próxima foi a de mudança negativa no rumo. Mas isso mostra que está mais do que na hora de darmos a inflexão oposta.
As preocupações com “aonde iremos parar”, o que acontecerá com nossas carreiras e com o serviço público são todas justificadas. O mapa traçado por aqueles que detêm o poder econômico já está desenhado. O nosso passa pela nossa unidade e pela nossa luta, e a história nos mostra que é possível caminhar para outro lado. Agora, claro, isso não vai acontecer se aceitarmos, como supostamente inevitáveis, as alternativas que nos trazem. A lógica de defesa do serviço público, dos direitos sociais e de nossas carreiras só acontece se enfrentarmos juntos cada proposta de retrocesso que venha de qualquer um dos poderes, seja de Brasília, seja de Belo Horizonte. E se estiver equivocado, que nos mostrem que os diferentes poderes e as diferentes capitais pensam diferente.
David Landau é servidor da Justiça Trabalhista e coordenador do Sitraemg