Em meio à turbulência político-institucional e à grave crise econômica que o país atravessa, assistimos, estarrecidos — não, necessariamente, sem mobilização —, a deliberados atentados cometidos pela classe política contra seus representados, o povo brasileiro.
Alguns irão reiterar o famigerado golpe contra o governo da ex-presidente Dilma Rousseff; outros revidarão, dizendo que as medidas austeras que começam a se concretizar no governo Michel Temer devem realmente ser tomadas, independente da perda de direitos e garantias. Mas o fato é que é necessário fazer uma profunda reflexão sobre as propostas de retomada do crescimento do país que estão colocadas.
A ANFIP-MG entende que as mudanças não podem acontecer a qualquer custo, em detrimento da justiça social e das conquistas históricas da população do Brasil. Por ser uma entidade cuja origem está intimamente ligada à Seguridade Social, é inabalável que façamos a defesa da mais efetiva política de distribuição de renda do país. A Associação acredita que é necessário, de fato, uma reforma que garanta a sustentabilidade do sistema, mas não da forma como está sendo feita na Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 287/2016, que prevê as seguintes mudanças, entre outras:
- Idade mínima de 65 anos para aposentadoria, tanto para homens quanto para mulheres;
- Fim gradativo das aposentadorias especiais;
- Aumento do tempo mínimo de contribuição para 25 anos;
- Pelo menos 49 anos de contribuição para obter o benefício integral;
- Proibição da acumulação de pensão por morte e aposentadoria;
• Aumento da alíquota de contribuição previdenciária dos servidores para 14%. No caso dos servidores públicos, os que já implementaram os requisitos para aposentadoria até a data da promulgação da emenda poderão se aposentar pelas regras antigas quando entenderem que for conveniente.
Também haverá regras de transição para os que possuem idade igual ou superior a 50 anos (homens) ou 45 anos (mulheres). Nesse caso, deverão pagar um pedágio de 50% do tempo que, na data de promulgação da emenda, faltaria para atingir o número de meses de contribuição exigido. A PEC foi aprovada no dia 14 de dezembro de 2016 na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) e agora será analisada em uma Comissão Especial. Posteriormente, será apreciada em dois turnos pelo Plenário da Câmara dos Deputados antes de ir ao Senado Federal.
Para contribuir com a discussão, a ANFIPMG, em conjunto com outras associações, entidades sindicais e movimentos populares, realizou, em junho de 2016, na ALMG, uma audiência pública sobre o tema. Na ocasião, foi lançada a Frente Parlamentar e Popular Mineira em Defesa da Previdência Social, a exemplo do que foi feito em Brasília, com a Frente Parlamentar Mista em Defesa da Previdência Social.
A ANFIP-MG também segue a linha de reflexão feita pela ANFIP. A entidade nacional publicou um vídeo — bastante compartilhado nas redes sociais — no qual desmistifica o falacioso déficit. Nele, são desmascaradas falácias que os governos têm contado ao longo dos anos para tentar justificar a reforma, utilizando verdadeira contabilidade criativa.
Em primeiro lugar, o vídeo chama a atenção para as renúncias no âmbito do sistema, que, embora tenham seu propósito na política de desenvolvimento econômico e industrial, não são tratadas pelos governos com a devida técnica. De acordo com o Auditor-Fiscal Vanderley Maçaneiro — especialista no assunto — o montante proveniente de renúncias incidentes sobre a contribuição previdenciária da folha de pagamentos, as demais contribuições sociais e os recursos que foram desvinculados através da DRU (desvinculação das receitas da União) ficou em torno de R$ 190 bilhões, em 2015, sendo R$ 40 bilhões das contribuições previdenciárias, R$ 87 bilhões de outras contribuições sociais e mais de R$ 60 bilhões da DRU (veja no endere- ço https://goo.gl/6nXXYH). É óbvio que, com essas renúncias, o discurso da reforma fica cada vez mais amparado.
Em seguida, informa que apenas a contribuição previdenciária sobre a folha de pagamentos — R$ 350 bilhões, em 2015 — é considerada nas contas da Previdência e somente essa contribuição isoladamente é comparada com todos os benefícios previdenciários (aposentadoria urbana, rural, invalidez, salário família, salário maternidade, auxílio doença, enfim, todos os benefícios da previdência), que somaram, em 2015, R$ 436 bilhões.
Mas, na verdade, o cálculo que deve ser feito é tomar a cesta de tributos composta pela receita previdenciária líquida (folha de pagamento), Cofins, CSSL, Pis/Pasep, recursos do FAT etc — e que, em conjunto, permitiu uma arrecadação de R$ 694 bilhões, em 2015 — e subtrair por todos os gastos na área da Seguridade (aposentadoria, seguro-desemprego, bolsa família e assim por diante), incluindo previdência, assistência e saúde, cujo valor ficou em R$ 683 bilhões, em 2015. Isso gera um superávit de R$ 11 bilhões, de acordo com Vanderley Maçaneiro.
Há ainda os recursos que deixam de ser arrecadados com a dívida ativa em relação às contribuições previdenciárias, que não é cobrada dos devedores. Segundo o especialista, em 2015, ela girava em torno de R$ 350 bilhões. Isso significa que a Receita Federal constituiu o crédito, lançou, as empresas se defenderam, perderam a demanda, não pagaram, foram inscritas na dívida ativa (excluídos os refinanciamentos) e os valores geraram um estoque. Em 2015, desse montante, apenas cerca de R$ 1 bilhão foi cobrado, o que representa “míseros” 0,32% do total. Assim, além de quase R$ 200 bilhões de renúncias, ainda existem R$ 350 bilhões para serem cobrados.
Então, como defender uma reforma da Previdência baseada em farsas e cuja principal justificativa é que há falta de recursos? Como amparar a discussão na imposição de mais dificuldades à vida da população, sobretudo no momento em que mais precisa de recursos para a sobrevivência?
Não sejamos tolos! Os interesses sempre foram nítidos. Quanto mais se enfraquece a Previdência Social pública, maior a tendência das pessoas se resguardarem com planos de previdência privada oferecida pelos detentores do poder econômico.
É preciso discutir, com muita responsabilidade, uma eventual reforma. Para isso, a Frente Mineira de Defesa do Serviço Público, coordenada pela ANFIP-MG, realiza, no dia 10 de janeiro de 2017, sua primeira reunião do ano. Não é possível que se estabeleçam regras tão duras justamente àqueles que menos têm. A reforma proposta impede a população mais pobre de ter o mínimo de dignidade na velhice.