O mês de dezembro abre um novo capitulo na crise política brasileira. Em meio à grande comoção nacional gerada pela queda do avião da equipe da Chapecoense, e sob grandes protestos, o Senado Federal aprovou, em primeiro turno, a PEC 55/16 (antiga PEC 241 da Câmara), grande alvo de críticas dos movimentos sociais que a apelidaram de “PEC do fim do mundo”. Logo ao lado, com uma votação que adentrou a madrugada, a Câmara dos Deputados aprovou um verdadeiro desmanche do chamado “Pacote Anticorrupção” apresentado pelo Ministério Público Federal (MPF). Tais medidas conseguiram descontentar, ao mesmo tempo, vários setores da sociedade brasileira, dos mais progressistas aos mais conservadores, demonstrando que, mesmo em meio à crise de representatividade, a classe política não tem tido o mínimo de sensibilidade para escutar a população.
No Senado, o presidente Renan Calheiros promoveu um forte esquema de segurança, impedindo sindicalistas, membros dos movimentos sociais e até mesmo jornalistas de acompanharem a sessão no plenário que apreciaria a votação da PEC 55. Nem as mais de 30 mil pessoas que ocuparam a esplanada dos ministérios em Brasília impediram os senadores de aprovarem a PEC 55. Os 61 votos favoráveis e apenas 14 votos contrários em nada refletiram a pesquisa pública do site do Senado, que fechou com 331.157 votos contrários e apenas 21.679 votos a favor. Não soa estranho que a maior alteração na constituição brasileira desde sua promulgação, e que pode chegar a 20 anos de duração, passe a revelia da vontade da população como um referendo? O segundo turno de votação no Senado acontecerá no dia 13/12.
Já na Câmara dos Deputados, das dez medidas propostas pelo MPF, apenas quatro passaram parcialmente pelo plenário. O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB/AL), ainda apresentou requerimento de urgência para que as medidas fossem votadas ainda na quarta-feira, sob a alegação de que “propostas como informante do bem, validação de provas ilícitas e teste de integridade só seriam aceitas em um regime fascista”. Felizmente o requerimento foi derrubado pelo Senado. Mas o que causou mais indignação não foi nem o fato da Câmara ter minimizado o efeito das medidas originárias do Pacote Anticorrupção do MPF, mas a razão de incluir em seu rol uma emenda que torna juízes, desembargadores, procuradores, promotores e policiais passíveis de julgamento por crime de abuso de autoridade.
Para a maior parte da população, a Lava-jato tem um forte valor positivo, por prender um grande número de políticos e empresários poderosos, já é considerada um marco no combate a corrupção no país. Mesmo aqueles que a criticam por seletividade não podem negar que, hoje, empresários, banqueiros, deputados e senadores estão sendo presos por conta da operação. Entre os condenados, ou em prisão preventiva, estão Marcelo Odebrecht, um dos maiores empreiteiro do país; o ex-presidente da câmara Eduardo Cunha (PMDB/RJ); o ex-tesoureiro do PT João Vaccary Neto; o doleiro Alberto Youssef; o diretor da Petrobrás Nestor Cerveró; além de grande lista de políticos, empresários e membros de cargos de confiança em importantes corporações do setor público e privado. Por isso, para boa parte da população, que comemora as prisões noticiadas pela grande mídia, diminuir o poder dos juízes soa como uma medida pró-corrupção, o que motivou dezenas de protestos em todo o país neste domingo (04/12), organizados pelos mesmos setores que se mobilizaram pelo impeachment de Dilma Rousseff, Vem pra Rua e MBL (Movimento Brasil Livre). Desta vez, o Planalto não foi o alvo principal, mas sim os aliados do Governo no Congresso e o presidente do Senado, Renan Calheiros.
Há uma contradição na ausência de críticas ao governo Temer pelos movimentos dirigidos pelo Vem pra Rua e MBL, já que as denúncias de corrupção não se resumem à antiga base aliada do governo da antecessora petista, mas se estendem a muitos membros do primeiro escalão do governo atual. Quem se esqueceu da conversa vazada por telefone entre Sérgio Machado (PMDB/CE) e Romero Jucá (PMDB/RR), que afirmavam que o impeachment era importante para “estancar a sangria”? Junto a isso, novos escândalos começam a aparecer nesse governo de transição, com média de uma renúncia por mês – 6 ministros de Temer já deixaram o cargo. A queda do mais recente deles, Geddel Vieira Lima (PMDB/BA), minou a credibilidade de Temer. O ex-ministro é acusado de fazer pressão para que uma obra, embargada pelo Iphan (Instituto do Patrimônio histórico e Artístico Nacional), fosse liberada. O político baiano é proprietário de um dos apartamentos do empreendimento e chegou a ameaçar pedir a cabeça do presidente do Iphan a Michel Temer.
Além dos escândalos, parte da população, que confiava que a crise econômica poderia ser superada após o impeachment de Dilma Rousseff, tem enfrentado uma grande decepção com o primeiro semestre de governo Temer. Segundo o IBGE, o desemprego cresceu 12.6% no terceiro trimestre de 2016, e o PIB recuou 0,8% em relação ao trimestre anterior, acumulando 4,4% de déficit este ano. Segundo o Banco do Brasil, o setor público consolidado também apresentou um déficit primário de R$ 22,267 bilhões só no mês de agosto.
Em meio a toda essa desestabilização do atual governo de transição, a insatisfação dos setores da sociedade que apoiaram o impeachment de Dilma Rousseff passa a crescer, mesmo que de forma localizada, contra o governo Temer. O que faz com que aliados de primeira linha do governo iniciem um movimento de afastamento da base aliada para tentar capitanear a insatisfação popular. Segundo a Folha de S.Paulo, parlamentares do PSDB já postulam março como a data limite para que a economia mostre reação e Temer consiga pelo menos imprimir a imagem de presidente que colocou em ordem as contas públicas. Caso contrário, já cogitam a possibilidade de eleições indiretas, sugerindo o nome de FHC como possibilidade para a sucessão. A posição, porém, não é unanimidade do partido, que avalia que o melhor para os Tucanos é que Temer termine o mandato, aplicando os ajustes na economia. Estes movimentos são expressões da profunda divisão que existe no andar de cima.
Junto a isso, setores da esquerda se mobilizam contra o plano de austeridade imposto pelo governo, os ataques à previdência social e os cortes no setor público. O PSOL, que pretende se postar como a nova esquerda em ascensão, se posicionando no vácuo deixado pelo PT, e já protocolou um pedido de impeachment contra Temer, e setores mais radicalizados se mobilizam por eleições gerais. Os próximos passos ainda estão em aberto, e qualquer pretensão de desenhar as consequências de cada um desses movimentos ainda é precipitada. O certo é que não existem soluções mágicas para a resolução para a crise política e econômica. Não importa quem esteja à frente do poder, a tarefa dos trabalhadores deve ser a de resistir aos ataques e lutar para que não sejam cobrados por uma crise pela qual não são responsáveis, e acima de tudo, lutar para que as desestabilização econômica não represente também um abalo na democracia brasileira, rejeitando medidas autoritárias e que comprometam as liberdades de seus cidadãos.