A Faculdade de Direito e Ciências do Estado da UFMG abriu seu auditório na tarde/noite da última segunda-feira, 4, para debater o processo de impeachment em curso, no Congresso Nacional, contra a presidente da República, Dilma Rousseff. “Há inconstitucionalidade no impeachment?”, foi a indagação colocada em discussão. Foram convidados como palestrantes quatro professores da própria faculdade: José Luiz Quadros de Magalhães, Marcelo Campos Galuppo, Márcio Luís de Oliveira e Rodolfo Viana Pereira. O auditório ficou superlotado, com a maioria esmagadora de estudantes universitários, principalmente alunos do próprio curso de Direito da universidade. Houve um início de tumulto de pessoas contrárias ao impeachment, que gritaram em coro o já famoso jargão “não vai ter golpe”, mas, a pedido da mesa, logo o silêncio se restabeleceu.

Antes de iniciar o debate, a coordenação da mesa solicitou aos palestrantes que se ativessem a uma abordagem “técnica” sobre o tema. A seguir, um resumo da fala de cada um deles:
Professor Márcio Luís de Oliveira

Declarando-se social-democrata, parlamentarista e republicano convicto, o professor defendeu que a democracia deve ser um processo permanente de legitimação. Quanto às denúncias que pululam diariamente na mídia, a respeito do esquema de corrupção na Petrobras e outras empresas públicas do País, opinou que, em se tratando de riquezas nacionais de concessão pública, não interessa se vão ser exploradas por empresas públicas ou privadas. Deve ser fiscalizado e cobrado dos responsáveis é se as riquezas estão sendo exploradas adequadamente e se os impostos estão sendo devidamente cobrados e aplicados dentro dos preceitos de sua função social.
Quanto ao processo de impeachment em andamento, o professor expressou que se sentia bem à vontade para falar sobre o assunto, pois foi um dos “caras pintadas” que foi para as ruas no início da década de 1990 para pedir o impedimento do então presidente e hoje senador Fernando Collor de Melo. Além disso, depois, como estudante de Direito, estudou amplamente o processo movido contra Collor. A propósito das “pedaladas fiscais”, recurso utilizado pelo governo Dilma Rousseff no ano passado, e que são objeto do processo ora em curso contra a atual presidente da República, lembrou que essa é uma prática corriqueira não só no governo federal, mas também nos Executivos estaduais e municipais, mesmo depois da vigência da Lei de Responsabilidade Fiscal, embora tenha reduzido sua frequência depois disso. Ele disse que não vê “golpe” no pedido de impeachment. No entanto, avaliou que o processo não vai prosperar, porque, na sua opinião, o próprio Congresso não tem interesse em um desfecho com a saída de Dilma. Isto porque, se ela sair, há probabilidade de, no outro dia, iniciar-se o processo de impeachment contra o vice-presidente Michel Temer (o que já começou a acontecer), que também assinou contas do governo com as chamadas “pedaladas fiscais”.
Professor Marcelo Campos Gallupo

Para o professor Gallupo, o processo de impeachment é jurídico, seguindo dispositivos do Código de Processo Penal. A Câmara autoriza o Senado a julgá-lo e os senadores apenas responderão “sim” ou “não” ao pedido de afastamento de Dilma. Contestando os argumentos de quem defende a presidente, ele avaliou que não há nenhum “golpe”. Haverá golpe, afirmou, se o fato denunciado pelo Ministério Público Federal não ferir a Lei de Responsabilidade Fiscal, ou se for feita a denúncia e o Supremo Tribunal Federal não agir, ou, ainda, se a denúncia for “tipificada” sem que a presidente tenha efetivamente cometido o crime. Ele concordou com o ponto de vista do professor Márcio Luís de Oliveira de que a democracia é um processo permanente de legitimação, mas acentuou que a alternativa do impeachment contra um chefe de governo é uma forma de impedir que ele cometa fraudes durante seu mandato na administração pública.
Professor Rodolfo Viana

Pereira discordou do colega Marcelo Gallupo quanto à natureza do processo de impeachment. Na sua opinião, trata-se de um processo eminentemente político, pois é julgado somente no âmbito do Congresso Nacional. As “pedaladas fiscais”, contudo, podem ser enquadradas como crime penal. Ele também rechaçou as alegações de que as pedaladas foram praticadas por governos anteriores ou que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e a maioria dos integrantes do Congresso Nacional, são corruptos, e que isso torna a acusação contra a presidente Dilma ilegítimo. Por fim, lamentou o que ele chama de “demonização da política”, que resulta, muitas vezes da incoerência dos próprios políticos. Por exemplo, ao contradizerem pontos de vista próprios de outrora unicamente para defender seus interesses de momento. E, também para ele, não há golpe no processo de impeachment em andamento contra a presidente da República.
Professor José Luiz Quadros de Magalhães

O professor José Luiz Quadros de Magalhães, em uma fala muito mais política do que técnica, discordou totalmente dos palestrantes que o antecederam, afirmando que o golpe já se vislumbra há um bom tempo. Tudo, segundo ele, começou com a ascensão de governos em países da América Latina não alinhados aos Estados Unidos e aos países do Velho Continente que classificou como “império europeu”. Para aumentar ainda mais a perseguição dos norte-americanos e europeus, esses países teriam ousado ao se associarem e criarem a Unsul (União de Nações Sul-Americanas). E o Brasil teria ido ainda mais longe, juntando-se à Rússia, Índia, China e África do Sul e formando os BRICS, uma associação para movimentação e fortalecimento desses mercados frente à força das grandes potências econômicas do Planeta, e ainda criando o Banco dos BRICS, desafiando assim o Banco Mundial. Em seu raciocínio, a partir dessas iniciativas visando à independência desses países, começou o “jogo pesado” por parte dos governos de países que se viram prejudicados com essas mudanças políticas e econômicas, que passaram a adotar ações estratégicas objetivando “desestabilizar” os países emergentes. Trata-se, segundo ele, de um jogo político e midiático. Há no país atualmente, segundo Magalhães, uma ação instrumentalizada da Polícia Federal, juntamente com o Judiciário e o Ministério Público, com o apoio fiel da imprensa. “Não há nada no Estado Democrático exclusivamente político, a não ser na revolução”, filosofou. O golpe, reiterou, está ocorrendo, e ele é jurídico-político.
Debate
Devido ao exíguo tempo para o debate, foi concedido apenas um minuto para que os estudantes presentes formulassem perguntas aos palestrantes. Alguns pontos de vista expressados: o pedido de impeachment contra Dilma não passa de “inconformismo” de parte da sociedade brasileira pelo resultado das eleições que a levou ao segundo mandato; o Judiciário, ao publicizar excessivamente sua atuação, estaria dando um “tiro no pé”; até quando o processo de impeachment é legítimo, com o vazamento de gravações, pela Polícia Federal, de conversas entre Lula e Dilma?; como se pode considerar o processo um golpe se está sendo conduzido pelos parlamentares que são eleitos pelo povo?; como vai ficar a Presidência se Dilma e Temer assinaram as “pedaladas”?; até que ponto o princípio da Constituição Federal segundo o qual “todo mundo é inocente, até que se prove o contrário”, está sendo respeitado, se as denúncias contra Dilma, o governo e o ex-presidente Lula estão sendo amplamente divulgado pela mídia antes dos acusados se defenderem?
Repassada a palavra aos palestrantes, o professor Marcelo Galuppo esclareceu, entre outras coisas, que o processo contra Dilma não afeta Temer. No entanto, Temer também responde a denúncia pelas pedaladas, no Congresso Nacional. O professor Rodolfo Viana explicou que o fato de haver vitoriosos nas eleições não significa dizer que não haja crime eleitoral. Avaliou, ainda, que o Poder Judiciário evoluiu, sim, em relação ao período da ditadura. O que há, para ele, são alguns equívocos. O professor José Luiz concordou que os parlamentares são representantes do povo, mas ponderou que, para que essa legitimidade se torne efetiva, há necessidade urgente de se promover uma reformulação do sistema político no País. Para explicitar melhor sua convicção de que há uma atuação conjunta da Polícia Federal, Judiciário e a mídia em uma onda de denúncias de esquemas de corrupção como solução para o País, ele lembrou que a operação mãos limpas na Itália, na década de 1990, levou mais de 5 mil pessoas à prisão, mas, depois disso, acabou sendo eleito Silvio Berlusconi como primeiro-ministro, em um governo que o palestrante acredita ter sido um dos mais corruptos da história recente da Itália e da Europa. Para o professor, é preciso acabar com a “polarização” e o ódio na política, e que as pessoas “abram” o coração, o Judiciário seja imparcial e honesto, e que todos estudem, leiam sobre tudo que está acontecendo, para compreender melhor. Ainda dentro de sua expectativa de que o impeachment contra Dilma não prosperará, o professor Márcio Luís de Oliveira se disse preocupado com a possibilidade de, caso seja determinado o impedimento da presidente, inicie-se uma sequência de processos do gênero contra o vice-presidente Temer e outros que vierem a sucedê-lo, e o País entre em um processo de instabilidade sem precedentes.