Por Maria Lucia Fattorelli, Coordenadora nacional da Auditoria Cidadã da Dívida
Os artigos aqui publicados são de inteira responsabilidade do autor, não sendo esta necessariamente a opinião da diretoria do SITRAEMG
Esse texto foi enviado como resposta à Folha de S. Paulo, porém foi publicado apenas parcialmente no Painel do Leitor, na versão impressa do jornal. No site da Folha de S. Paulo não se encontra qualquer versão do texto. Segue abaixo, a íntegra:
Somos todos auditores
O veto de Dilma à realização da auditoria da dívida com participação da sociedade civil tem provocado reações equivocadas, como a de Laura Carvalho publicada pela Folha em 21/01/2016.
A auditoria da dívida está prevista na Constituição de 1988 e nunca foi realizada. Portanto, lutar pela auditoria significa defender a Constituição.
Se a dívida é pública e tem sido paga por todos nós, precisamos saber que dívida é essa, como ela surgiu, quem se beneficiou, onde foram aplicados os recursos, quanto efetivamente recebemos e quanto é referente a mecanismos que geram dívida sem contrapartida, decorrentes de operações não transparentes realizadas pelo Banco Central (swap cambial e compromissadas).
Sequer sabemos para quem pagamos a dívida, pois os nomes dos rentistas detentores dos títulos é “informação sigilosa”.
A auditoria se fundamenta em dados e documentos oficiais e deveria ser rotina.
A dívida brasileira cresce aceleradamente e tem o custo mais elevado do mundo devido aos injustificáveis juros abusivos. A dívida federal interna alcançou R$ 3,8 trilhões, desde setembro/2015, e a externa bruta, US$ 556 bilhões.
Todo ano, o pagamento de juros e amortizações dessa dívida consome quase a metade do orçamento federal. Em 2015, consumiu cerca de R$ 1 trilhão, sendo a maior parte referente a juros sobre juros, o que configura Anatocismo e é ilegal.
Muitos desconhecem o disposto no art. 167 da Constituição, que proíbe a utilização da dívida para pagar despesas correntes, tais como juros, salários, gastos de manutenção da máquina pública, entre outros. Conhecida como “Regra de Ouro”, tal proibição não tem sido levada em conta quando se trata de privilégio aos rentistas, já que o governo tem emitido títulos para pagar juros, aumentando a dívida em escala exponencial.
Os órgãos de controle não auditam a dívida pública e o Portal da Transparência não detalha seus pagamentos, apesar de ser o maior gasto federal.
O superávit primário representa apenas parte dos recursos destinados ao pagamento anual da dívida (receitas tributárias e de privatizações). Outras fontes vão diretamente para a dívida, tais como: emissão de novos títulos; juros e amortizações pagos por estados e municípios à União; lucros do Banco Central e de empresas estatais; rendimentos do Tesouro.
Laura Carvalho afirma que “não há dúvidas de que bandalheiras históricas estão na origem de parte da dívida atual”. Sucessivas renegociações da “bandalheira original” não tornam a dívida atual regular. Algo nulo na origem é sempre nulo. Daí o mérito da auditoria desde a origem.
A anulação de 70% da dívida externa do Equador se respaldou na auditoria que comprovou ilegalidades e fraudes, como a transformação Brady, em Luxemburgo, de dívida prescrita em novos títulos. O histórico da nossa dívida naquele período é idêntico, tendo sido transformada em títulos em Luxemburgo para em seguida servir de moeda para comprar empresas privatizadas, ou transformar-se em outros títulos da dívida externa ou interna, que no início do Plano Real pagavam taxas que chegaram a 45%!
A dívida é um esquema de transferência de recursos públicos para o setor financeiro, como evidenciam os bilionários lucros dos bancos, apesar da desindustrialização, queda no comércio, desemprego e até encolhimento do PIB.
A dívida tem sido a principal responsável pelo cenário de escassez em que vivemos, incompatível com a nossa realidade de abundância. Por isso exigimos completa auditoria, com participação cidadã.
Fonte: Auditoria Cidadã da Dívida Pública