Numa reviravolta de última hora, diplomacia de Bush aceita acordo para o início das discussões sobre uma agenda de combate ao aquecimento global a ser adotada a partir de 2012, quando termina o Protocolo de Quioto. As metas de redução, no entanto, são apenas indicativas.
Maurício Thuswohl – Carta Maior
RIO DE JANEIRO – Quando tudo parecia se encaminhar para um desfecho sem qualquer resultado positivo na Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas, que acabou na noite deste sábado (8h30 da manhã no horário de Brasília) em Bali, uma reviravolta de última hora acendeu a luz da esperança no fim do túnel do aquecimento global. Depois de passar duas semanas empreendendo inúmeros esforços para que nenhum acordo fosse alinhavado entre os 190 países participantes, o governo dos Estados Unidos não resistiu ao peso do isolamento político, recuou e acabou aceitando incluir seu nome no documento final do encontro.
A contrapartida, que foi aceita pela União Européia e pelo G-77 (grupo de países emergentes liderados por Brasil, China, Índia e África do Sul), foi a retirada, no texto principal do documento, de referências concretas sobre metas adicionais de redução dos gases de efeito estufa que possam ser adotadas a partir de 2012, quando termina a primeira fase do Protocolo de Quioto. Além da inesperada adesão dos EUA, outra vitória conquistada pelo bloco dos emergentes, e particularmente saboreada pelo Brasil, foi a inclusão, no “mapa do caminho” para o Pós-Quioto, da possibilidade de se contabilizar o desmatamento evitado no cálculo das metas de redução.
Após o empate no tempo normal (a conferência terminou oficialmente na sexta-feira, sem nenhum acordo quanto às metas), a partida foi para a prorrogação. No dia extra de discussões, não faltou tensão entre os diplomatas. Além da, até então, irredutibilidade dos EUA e aliados (Canadá, Japão e Rússia), outro problema ocorrido foi a rejeição de China e Índia ao documento, considerado discrepante por exigir uma série de compromissos dos países em desenvolvimento ao mesmo tempo em que deixava em aberto qualquer meta para os mais industrializados.
Esse impasse provocou um intervalo de seis horas na plenária final. No retorno, no entanto, nada ainda havia sido acertado, e o clima de troca de acusações ao microfone acabou provocando as lágrimas do secretário-executivo da conferência, Yvo de Boer. Falando em nome do governo dos EUA, Paula Dobriansky fez uma primeira intervenção, acompanhada por sonoras vaias, afirmando que seu país não concordava com as mudanças sugeridas por chineses e indianos. Em seguida, representantes de dezenas de países se sucederam ao microfone para criticar duramente o governo de George W. Bush por sua posição.
A essa altura, quando o gosto do fracasso já estava em todas as bocas, veio a reviravolta mais marcante ocorrida no cenário multilateral de discussões sobre as mudanças climáticas nos últimos anos: “O governo dos EUA decidiu que vamos seguir em frente e nos juntar ao consenso”, disse Dobriansky, frente a uma plenária tão cansada e pega de surpresa que demorou alguns minutos para entender o que estava se passando e, dessa vez, aplaudir de pé a diplomata norte-americana.
Isolamento
Não se trata, evidentemente, de uma conversão do governo Bush ao lado bom da força. O que estava em jogo em Bali, após a postura avançada da União Européia e a adesão da Austrália ao Protocolo de Quioto, era a credibilidade dos EUA para qualquer empreitada internacional futura de combate ao aquecimento global. Isso ficou claro quando a maioria dos governos afirmou que, sem colaboração em Bali, não iria ao encontro, programado para janeiro no Havaí, onde Bush pretende receber os maiores países poluidores.
A vulnerabilidade do atual governo dos EUA nesse terreno também ficou clara com a massiva presença em Bali de representantes do Partido Democrata. Com Al Gore na comissão de frente, estes aproveitaram para prometer mudanças de rumo na posição do país desde que, é claro, Bush e os Republicanos sejam apeados da Casa Branca nas próximas eleições.
Toda essa pressão está na raiz do recuo dos EUA. O país, no entanto, só aceitou incluir seu nome no documento final produzido em Bali se fossem retiradas do texto principal as referências às metas de redução de 25% a 40% das emissões até 2020, como inicialmente pedia a União Européia. Essas metas vão aparecer no documento, de forma indicativa, somente numa nota de pé de página. Por outro lado, os EUA aceitaram que fosse incluída no preâmbulo do documento uma referência aos estudos apresentados pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU (IPCC, na sigla em inglês), que baseiam a posição européia.
Brasileiro presidirá GT
Coordenador das negociações pela delegação do Brasil, o embaixador Everton Vargas comemorou o acordo obtido ao final da conferência: “Foi uma grande vitória dos países em desenvolvimento. O grupo dos 77 fez valer a sua grande maioria”, disse à BBC Brasil. A importância da diplomacia brasileira nas negociações foi reconhecida por seus pares com a indicação do diretor do Departamento de Meio Ambiente do Itamaraty, Luiz Alberto Figueiredo, para presidir o grupo de trabalho que conduzirá a elaboração do “mapa do caminho” até 2009, prazo estipulado para que a agenda de obrigações globais Pós-Quioto esteja definida.
Além do aprofundamento da redução da utilização de combustíveis fósseis, entre os temas mais importantes indicados em Bali para o “mapa do caminho” estão a redução de queimadas e desmatamento florestal e a transferência de recursos financeiros e tecnológicos para os países menos preparados para o combate ao aquecimento global. A primeira reunião do grupo de trabalho responsável por sua elaboração está agendada para março de ano que vem.
Fonte: Agência Carta Maior