Nesta segunda-feira (28/01), exatos quatro anos após a chacina de Unaí, noroeste de Minas Gerais, quando três auditores fiscais e um motorista do Ministério do Trabalho foram assassinados numa estrada de terra, trabalhadores do Ministério do Trabalho, lideranças dos movimentos sindical e social realizaram um grande ato em frente ao Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região, em Brasília, local onde o processo que apura as responsabilidades pelos crimes está parado há quase três anos, aguardando decisão sobre recursos apresentados pelos réus.
A manifestação, que contou com cerca de 50 pessoas, foi iniciada no domingo à noite (27) com uma vigília em frente ao TRF. Às 14h00 de segunda-feira, 28, foi dado início ao ato oficial em protesto contra a impunidade dos envolvidos na chacina. Os manifestantes vestiam preto e portavam faixas com pedidos de justiça, exigindo o julgamento dos acusados de participação no assassinato do grupo de fiscais que inspecionava fazendas da região para evitar exploração de trabalhadores. Dos nove denunciados pelo Ministério Público após o fim do inquérito conduzido pela Polícia Federal, quatro estão em liberdade. Entretanto, dos nove, nenhum foi julgado, o que, para a presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait), Rosa Maria Campos Jorge, pode estar relacionado à lentidão da Justiça no julgamento dos recursos dos réus.
“Os quatro anos da chacina de Unaí sem que nenhum dos acusados tenha sido julgado geram um clima de insegurança entre os auditores fiscais do trabalho e estimulam a continuidade de ameaças contra esses servidores”, afirma a presidente.
Há pelo menos seis recursos na gaveta do TRF emperrando o desenrolar do caso. A atribuição do tribunal será avaliar se os pedidos apresentados pelos advogados de defesa dos réus têm coerência. Admitidos, os recursos são encaminhados às cortes superiores, Supremo Tribunal Federal (STF) ou Superior Tribunal de Justiça (STJ), que terão a incumbência de julgar o mérito da questão.
As famílias dos auditores Eratóstenes de Almeida Gonsalves, João Batista Soares Lage e Nelson José da Silva, e do motorista Ailton Pereira de Oliveira, continuam a aguardar a justiça. Devido à gravidade do crime, os auditores fiscais e as famílias das vítimas acreditavam num julgamento mais rápido. Com a demora, Rosa diz que eles estão decepcionados. “Uma das viúvas está com depressão e nem comparece mais aos atos públicos. O que está prevalecendo para elas é a idéia de que o Estado não se importou com seus maridos, que estavam ali trabalhando e perderam a vida em razão da sua profissão. Então fica aquele ambiente de desesperança, de descrédito”.
Para Marco Antônio de Jesus, presidente da CUT-Minas Gerais, “a impunidade dos envolvidos na chacina põe em risco a vida dos auditores fiscais e acaba sendo um incentivo a outros fazendeiros para continuarem suas práticas de exploração de trabalhadores, sujeitando-os a condições análogas a de escravos”, alerta o dirigente.
Para o procurador regional da República que acompanha o caso, Carlos Vilhena, a demora do TRF é ’’injustificada’’. ’’Veja que se trata de verificar a admissibilidade dos recursos. E essa função é específica da vice-presidência do tribunal, algo em que o órgão é especializado’’, critica Vilhena. A assessoria de imprensa do TRF foi procurada pela reportagem, mas não respondeu aos questionamentos.
Prefeito tucano
Dos nove acusados pelo crime, cinco aguardam julgamento presos. Hugo Pimenta, apontado como um dos mandantes ganhou a liberdade para aguardar o julgamento no ano passado e se converteu à religião evangélica em Unaí. Todos os indiciados irão ao Tribunal do Júri, na 9ª Vara Federal de Belo Horizonte. A exceção é o tucano Antério Mânica, que, por ser prefeito de Unaí (MG), tem foro privilegiado. Ele será julgado por uma turma composta de dez desembargadores do TRF da 1ª Região, em Brasília. ’’É da vontade do meu cliente que o julgamento ocorra logo. Já pedimos isso formalmente, mas há uma ação por parte do Ministério Público em protelar’’, afirma o advogado Marcelo Leonardo. O procurador Vilhena rebate a crítica.
’’Todas as vezes que o MP fez um pedido, foi para pedir agilidade’’, afirma. Vilhena afirma, no entanto, que há uma explicação lógica, dentro do direito, para que os mandantes de um crime enfrentem os tribunais no final. ’’Como vou convencer o juiz de que uma pessoa encomendou um assassinato, se aquele que apertou o gatilho ainda nem foi julgado?’’, questiona.
A despeito disso, Vilhena afirma que já pediu o desmembramento do processo para que um dos nove acusados fosse logo julgado, mas a solicitação não foi ainda avaliada. ’’É muito difícil que consigamos julgar de forma isolada aqueles que não apresentaram recursos. De qualquer forma, o tribunal terá de dividir a audiência em dias, ao longo de uma semana, quem sabe, porque são oito acusados. Não dá para manter isolado um júri, que é formado por pessoas comuns, durante tanto tempo’’.
Tanta demora da Justiça revolta Helba Soares, viúva do auditor Nelson José da Silva. ’’Sabemos que o processo judicial tem seus prazos, mas desse jeito já é demais, sinto uma sensação de impunidade’’, desabafa. Rosa Maria Campos Jorge, presidente do Sindicato dos Auditores Fiscais do Trabalho, lamenta que mesmo com a mobilização da entidade, que procura entrar em contato com os desembargadores para pedir agilidade, nenhum avanço tenha ocorrido em 2007.
Quem é quem
Antério Mânica – um dos maiores produtores de feijão do país, com propriedades rurais no Paraná e em Minas Gerais, era alvo freqüente de fiscalizações. Ameaçou, de acordo com as investigações, o auditor fiscal do trabalho, Nelson José da Silva, em novembro de 2003. Acusado de ser mandante do crime, responde ao processo em liberdade. É o único com foro privilegiado, por ser prefeito de Unaí.
Norberto Mânica – fazendeiro, irmão de Antério Mânica, também sofria fiscalizações freqüentes em suas fazendas. É considerado mandante, junto com o irmão. Chegou a ser preso, mas ganhou a liberdade em novembro de 2006, por força de hábeas corpus concedido pelo STJ.
Hugo Alves Pimenta – empresário cerealista, é acusado de também ser mandante das execuções. As quatro mortes teriam diminuído em R$ 45 mil uma dívida de R$ 2 milhões que ele contraíra com os fazendeiros e irmãos Celso e Norberto Mânica. Está solto desde o ano passado aguardando julgamento.
José Alberto Costa – conhecido como Zezinho, também empresário, é acusado de ter intermediado a contratação dos pistoleiros, a pedido do amigo Hugo Pimenta. Está em liberdade desde dezembro 2004, beneficiado por um hábeas corpus.
Francisco Elder Pinheiro – mais conhecido como Chico Pinheiro, é apontado como o homem que se encarregou de montar toda a estrutura para a chacina e também acompanhou a execução do plano pessoalmente. Confessa que contratou os três homens para executar os auditores, encarregando-se também de receber o dinheiro das mãos de Zezinho e fazer a divisão. Está preso.
Erinaldo de Vasconcelos Silva – é suspeito de ter executado três das quatro vítimas. Integrante de uma quadrilha de roubo de cargas e de veículos que atua na região de Goiás e Minas, agia ao lado de Rogério Alan Rocha Rios, chamado por ele para matar os auditores. Recebeu R$ 22 mil pelos assassinatos. Permanece preso.
Rogério Alan Rocha Rios – é suspeito de ter dado vários tiros no auditor fiscal, Nelson José da Silva, o verdadeiro alvo dos mandantes do crime. Encarregou-se ainda de roubar os celulares das vítimas, que depois foram atirados em um riacho. Diz ter recebido R$ 6 mil pela participação. Aguarda julgamento preso.
William Gomes de Miranda – foi contratado para atuar como motorista dos pistoleiros durante a chacina. Sua função era fazer o levantamento dos passos dos fiscais depois que eles deixassem o hotel em que se hospedavam. Confessa ter recebido R$ 11 mil. Está preso.
Humberto Ribeiro dos Santos – conhecido como Beto, ele teria se encarregado de apagar uma das provas do crime. Depois das mortes, foi contratado por Erinaldo para arrancar a folha do livro de registros do Hotel Athos, em Unaí, onde os pistoleiros ficaram hospedados. Permanece preso.
Fonte: Agência CUT