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Reforma da Previdência é para transferir mais fatias do orçamento para o sistema financeiro

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Para reforçar junto à categoria toda a verdade que se esconde por trás do discurso utilizado pelo governo e sua equipe econômica em defesa da aprovação a qualquer custo da Reforma da Previdência, o SITRAEMG foi em busca da opinião do advogado Cacau Pereira, especialista em Direito Público com Extensão em Previdência Complementar, mestre em Educação, coordenador do Instituto Classe de Consultoria e Formação Sindical, com larga experiência como militante e dirigente sindical, e palestrante do Instituto Brasileiro de Estudos Políticos e Sociais (IBEPS). Não é à-toa que o Sindicato o tem convidado para participar, como palestrante, dos recentes Encontros Regionais, abordando o tema Conjuntura. Nesta entrevista, que foi publicada (resumidamente) na edição nº 131 do JORNAL DO SITRAEMG, Cacau critica as políticas adotadas pelos sucessivos governos no sentido do desmonte do Estado e da exploração dos trabalhadores, traça um perfil dos governos que o país já teve desde o início da redemocratização, fala sobre as greves gerais de 2017 e deste ano, opina sobre o fim do imposto sindical e defende a ampla unidade da classe para que possa se fortalecer e obter êxito nas lutas contra essa pauta perversa de retirada de direitos. Leia-a, na íntegra.

Como você analisa esse período de retração econômica, alto índice de desemprego e aumento da pobreza pelo qual o Brasil está passando?

Nós estamos vivendo, desde 2008, um ciclo marcado por uma retração econômica mundial. Talvez um dos períodos mais longos de crise econômica, desde a crise de 1929, e o Brasil não está fora dessa realidade.  Vivemos um quadro de recessão econômica no Brasil, enquanto a economia mundial está se recuperando, ainda que lentamente, e um cenário de desaceleração econômica que está marcado pelo esgotamento dos instrumentos de política econômica e por um endividamento do setor não financeiro. Na verdade, quem está escapando da crise econômica até agora é exatamente o setor financeiro. O grande problema é que, para combatê-la, o remédio que vem sendo utilizado são as reformas econômicas, que melhor seria se chamadas de contrarreformas, pois não melhoram as condições de vida da população mais pobre. O centro são os cortes de gastos públicos e a gestão meramente fiscal das contas públicas. Essas contrarreformas têm sido a base econômica de praticamente todos os governos, em todo o mundo. Numa situação em que o Brasil tem uma perspectiva, para este ano, de crescimento em torno de 1% do PIB, se isso não cair. Então, a perspectiva é bastante preocupante porque não há uma política que invista em um crescimento econômico real, na geração de emprego, na recuperação da renda, que são os elementos necessários para que a gente possa sair fortalecido de uma situação como essa.

“Não estamos chegando nem a 100 anos da edição das leis trabalhistas atuais no Brasil, e esse arcabouço legal está sendo derrubado, e o braço jurídico, que é a Justiça do Trabalho, está sendo atacado”

Terceirização, reforma trabalhista, fim do Ministério do Trabalho, redução do orçamento e ameaças de extinção da Justiça do Trabalho. Quais serão as consequências dessas medidas para o trabalhador e para as próprias empresas? E como reverter essa tentativa de aniquilar e explorar cada vez mais a classe trabalhadora?

Essa é uma das partes mais cruéis desse cenário de recessão econômica porque boa parte dos instrumentos de políticas governamentais, não só no Brasil mas em todo o mundo, aposta em uma desregulamentação, no desmonte de direitos trabalhistas, na criação de empregos na verdade bastante precarizados, como se isso fosse suficiente para recuperar principalmente o emprego das pessoas e alavancar o crescimento econômico. No caso específico do Brasil, esse desmonte dos direitos trabalhistas vem acompanhado de uma política consciente de destruição da Justiça do Trabalho. O que é ainda mais grave, pois, afinal, o papel da JT foi bastante relevante ao longo de décadas, por ter servido, de alguma maneira, para tentar equilibrar o conflito entre o capital e o trabalho, em que nós sabemos, a parte mais forte é o capital. A destruição da Justiça do Trabalho, na verdade, retira um instrumento de mediação, digamos assim, que cumpriu um papel importante, não para reverter essa situação, mas para minimamente tentar equilibrar o jogo que favorece os empresários. Então, é algo bastante preocupante porque nós vamos a uma situação de total desproteção do trabalhador, de terra arrasada, em que os instrumentos de política pública estão sendo colocados contra os direitos da classe trabalhadora, a favor de uma desregulamentação para retirada desses direitos, e o Judiciário, que cumpria o papel de tentar equilibrar minimamente essa correlação de forças, também está sendo atacado em seu braço que é a Justiça do Trabalho. Porque, se isso vier a ocorrer, é um retrocesso que vai ter peso por décadas. Nós não estamos chegando nem a 100 anos da edição das leis trabalhistas atuais no Brasil, que começaram a ser construídas a partir de 1930, e menos de 100 anos depois, esse arcabouço legal está sendo derrubado e o braço jurídico, que é a Justiça do Trabalho, está sendo atacado. De fato, isso exige uma mobilização do conjunto da sociedade, porque este é um instrumento fundamental para minimamente manter um pacto civilizatório em nosso País.

Paralelamente a essas políticas para os trabalhadores da iniciativa privada, veio o governo com essa Emenda 95 (congela os gastos públicos por 20 anos) e a determinação em dificultar a reposição salarial dos servidores e tentar aprovar no Congresso o PLS 116/2017 e o PLP 248/1998, que criam a avaliação de desempenho como forma de acabar também com a estabilidade do funcionalismo. O que será da população com essa política de desmonte do serviço público?

Em primeiro lugar, acho importante a gente resgatar que, desde a promulgação da Constituição de 1988, o funcionalismo público e os serviços públicos no Brasil vêm sendo duramente atacados através de uma série de reformas. Essas reformas restringiram o acesso aos serviços públicos e visaram retirar conquistas dos servidores. Uma visão míope, na minha opinião, do papel dos serviços públicos e da burocracia estatal, na garantia, no fornecimento de serviços à população em várias áreas – educação, saúde, a prestação jurisdicional, segurança, assistência, dentre outros serviços. As medidas mais recentes são as mais duras nesse sentido. Essa política adotada no Brasil, com a Emenda 95, ela na verdade se transformou em uma política de Estado para um quinto de século, independentemente do presidente e do parlamento que vierem a ser eleitos. Isto é algo bastante antidemocrático do ponto de vista do regime político que nós temos, mesmo com todas as suas limitações. Em relação ao papel do funcionalismo, é lamentável o que ocorre, num país como o nosso, no qual o funcionalismo, as empresas e os serviços públicos têm um papel relevante no sentido de levar atendimento à população em várias áreas. A maioria dos municípios brasileiros tem esse contato com o Estado, muitas vezes por meio de uma empresa pública como os Correios, através de um banco público, de uma repartição do INSS, do Poder Judiciário… Existem escolas públicas em todos os municípios brasileiros. Então, essa presença é que garante, em boa parte do nosso país, em particular nos municípios menores, mais pobres, mais distantes, a presença do Estado em várias áreas, a própria área da saúde e outros setores, que cumprem o mesmo papel. Essa política neoliberal, radical, de desmonte desses serviços públicos, está alicerçada na ideia de um Estado mínimo, que está sendo retomada com muita força nesse momento, e na transformação de uma série de serviços públicos em objeto de lucro, de exploração pelo capital. É isso que está acontecendo com a saúde, com a educação e no debate em torno da Previdência é bastante evidente essa concepção. O que exige uma tomada de posição da população, dos trabalhadores, nos moldes do que foram as lutas e as conquistas no período pré-Constituinte de 1988. Ali, nós tivemos um movimento social no Brasil que lutou não só pelas questões relacionadas à democracia, ao direito de eleger presidente da República. Mas também numa retomada vigorosa do movimento sindical e isso se materializou numa construção que assegurou uma série de direitos sociais importantes. Então, a retomada do movimento de conscientização nesse sentido, me parece que é fundamental, porque está óbvio que o setor privado não vai chegar a todos os locais do país como chegariam os serviços públicos e as empresas públicas.

As desculpas para as primeiras reformas da Previdência eram de que a população estava envelhecendo; depois, que precisava igualar os regimes previdenciários; por último, que o objetivo era “acabar com privilégios”, corrigir distorções, equilibrar as contas para promover o ajuste fiscal. Na proposta atual, as maiores armadilhas: a desconstitucionalização da Previdência e a criação do sistema de capitalização. Você acredita em reviravolta nas discussões sobre a reforma, com mudanças radicais na proposta original do governo?

Algumas das proposições mais extremadas desta reforma acabaram sofrendo um recuo exatamente no momento da apresentação do relatório (na Comissão Especial da Câmara), justamente a questão da desconstitucionalização, o regime de capitalização, o BPC (Benefício de Prestação Continuada), a aposentadoria dos trabalhadores rurais, que eram elementos assim bastante pesados… Alguns analistas estão discutindo, inclusive, se isso não era uma espécie de “bode na sala”, que foi justamente colocado para chamar a atenção de forma que o essencial da reforma da Previdência pudesse ser aprovado. Agora, eu acredito que é possível sim reverter essa situação. É uma luta desigual porque, pelo menos há quatro ou cinco anos, há uma propaganda maciça e intensa no sentido de que a Previdência é o grande mal do país. Na verdade, o que está por trás disso é o interesse do sistema financeiro em abocanhar essa parte do orçamento brasileiro. Se a gente pegar o orçamento do Brasil de 2018, nós vamos ver que a Previdência Social, a parte do Regime Geral de Previdência Social, correspondeu a algo em torno de 25% desse orçamento, enquanto que o pagamento dos juros e amortização da dívida pública ultrapassou 40% do orçamento – mais de 1 trilhão de reais no ano passado. Aí é que está o verdadeiro nó do problema. A Previdência é parte de um programa social mais amplo, é parte da seguridade social, que garante inclusão social a uma série de segmentos, através das aposentadorias e das pensões, mas também através da saúde e assistência social. Esse é o papel da Seguridade Social que foi consagrado na Constituição de 1988, que inclusive destinou recursos próprios para manutenção desse sistema. Então, esse gasto de 25% do orçamento do ano passado, na verdade esse investimento, não é nada absurdo em um país com a desigualdade social que tem o Brasil e no qual, em muitos municípios, é a receita da Previdência que faz a economia girar, mais do que os repasses constitucionais que os municípios recebem. De outra parte, não há nenhuma iniciativa de atacar essa chaga, esse mal que é esse sistema de rolagem da dívida pública brasileira, que absorve um valor absurdo do nosso orçamento e que impede, ano a ano, que esse dinheiro possa ser utilizado com o desenvolvimento econômico, na geração de empregos, no aumento da renda, para tudo aquilo que nós precisamos. Aí é que está o nó do problema econômico brasileiro. Só para se ter uma ideia, também no ano de 2018, em meio a essa recessão econômica que nós estamos vivendo, com todos esses problemas e essas mazelas, 308 empresas de capital aberto, que tem ações em bolsa, obtiveram um lucro líquido em 2018 de R$ 177,5 bilhões. E só os quatro maiores bancos brasileiros, ou que atuam no Brasil – Itaú, Bradesco, Banco do Brasil, Santander – obtiveram um lucro recorde de 12,3% acima do ano anterior, atingindo um lucro líquido de R$ 73 bilhões.  É o segundo exemplo de onde nossa política governamental poderia atuar no sentido de reduzir a desigualdade. Enquanto isso, desemprego na faixa de 12,7% (mais de 13 milhões de pessoas), 5 milhões de desalentados, outras cifras aí assustadoras. Então, o que nós estamos assistindo é que a Previdência está sendo encarada como uma possibilidade de negócio para grandes bancos e seguradoras. Para justamente reduzir a Previdência pública a um patamar mínimo que é o de pagar um salário mínimo, dois salários mínimos, no máximo, em benefícios de aposentadorias e pensões. E liberar o resto para ser explorado pela iniciativa privada. Esse é o sentido das políticas que foram construídas praticamente por todos os governos ao longo das últimas décadas, e que tem um corolário agora com essa proposta da capitalização. Porque a proposta da capitalização, embora tenha sido retirada do relatório, ela não sai da proposta do governo – o governo vai apresentar inclusive outra PEC que retoma essa discussão. Ela significaria subverter o papel da Previdência. Ao invés de termos uma Previdência solidária, que cumpre o papel de garantir assistência à população do país, passaríamos a ter um sistema controlado pelos bancos, através de um processo de capitalização individual, de contas individuais.  Isso é o oposto do sistema que foi pensado para a seguridade social brasileira. O que se pretende é abocanhar essa parcela do orçamento, de 25%, tirar isso das mãos do Estado, passar para as mãos dos bancos. E num segundo momento – aí o alerta – a pretensão do sistema financeiro é chegar também aos fundos de pensão brasileiros (das empresas estatais, dos servidores públicos e de algumas empresas privadas), que já representam hoje uma economia que movimenta algo de em torno de R$ 900 bilhões. É um dinheiro bastante expressivo. Os fundos de pensão no Brasil são investidores institucionais muito importantes, muitas vezes inclusive com políticas erradas, como foi nas privatizações dos anos 1990, das quais os fundos participaram. Mas não temos dúvidas de que, se a reforma da Previdência passar, atingindo aí o Regime Geral e os servidores públicos, além dos estados e municípios, o próximo passo será, sem dúvida, tentar abocanhar os fundos de pensão, que também têm uma receita bastante grande, e que não estão plenamente nas mãos dos bancos, mas de operadores fechadas de fundos de pensão, de empresas como a Petrobras, Banco do Brasil, Correios e outras. Então, nós temos que atuar fortemente para tentar impedir isso, porque é um desmonte do Estado como eu nunca vi no Brasil. Se isso ocorrer, será uma privatização total, uma liberalização total da economia, retirando da mão do Estado uma série de instrumentos de indução de política econômica, de distribuição de renda, de atenuar os desequilíbrios regionais e sociais.

“Essa política é um tiro no pé, porque ela está agravando aqueles elementos que impedem a retomada do crescimento”

Diante dessa voracidade do sistema financeiro, retirando direitos e o poder de compra dos trabalhadores, e o sistema produtivo também está indo junto, defendendo a mesma pauta do sistema financeiro, isso não seria um tiro no pé, já que haverá também a diminuição do mercado consumidor?

Sem sombra de dúvidas. O que ocorreu nos últimos anos é que nós tivemos da parte do governo políticas que privilegiaram determinados segmentos da economia – setores ligados ao agronegócio, à exportação de commodities, a desoneração da produção via redução e mesmo isenção de impostos, para empresas automobilísticas, da chamada “linha branca”, e outras… São políticas governamentais exercidas no período anterior que, inclusive, fizeram com que o Estado abrisse mão de receitas muito importantes de impostos, que não vieram para os cofres públicos, e parte disso inclusive impactando a Previdência, porque parte importante de sustentação do sistema previdenciário vem das contribuições dos lucros das empresas (CSLL), da Cofins (contribuição para financiamento da seguridade social) e de outros tributos que são cobrados. E essa política econômica, durante um certo período, aliada com algumas políticas de grandes obras em que os governos passados vinham atuando, fez com que determinados setores da economia alcançassem uma pujança, um desenvolvimento, mais altas taxas de lucro – eu incluiria aí também as grandes empreiteiras, que no período anterior tiveram, digamos assim, um período áureo, de muito lucro, num momento de desenvolvimento. O que acontece é que nós tivemos uma ruptura institucional no Brasil em 2016. E não temos como separar o elemento econômico do elemento político. E essa paralisia, essa crise política que permanece até agora, fez com que tivéssemos uma situação de retração de investimentos privados. O investimento público logicamente caiu, porque com a crise econômica o Estado está arrecadando menos e a orientação econômica do governo é exatamente no sentido de cortar cada vez mais – é o caso da DRU, é o caso da “PEC da Morte” (EC 95) etc. Então, nós estamos assistindo a uma situação no Brasil, em que, apesar desse momento de recessão, o setor financeiro segue alcançando margens de lucros astronômicos e parte importante das empresas, de capital aberto, também seguem alcançando lucros importantes. Agora, as empresas de porte médio, as pequenas empresas, essas vêm sofrendo fortemente a recessão e também há uma redução nos investimentos e na capacidade dessas empresas gerarem empregos. Isso poderia ser facilmente revertido por uma política do governo, estimulando obras públicas, retomando obras paralisadas, por exemplo. O Banco Central tem reservas, as reservas que têm guardadas para garantir a remuneração dos bancos…  Haveria uma série de possibilidades de intervenção do Estado nessa arena econômica de forma a recuperar a capacidade de produção, recuperar empregos etc. Agora, isso não está no horizonte do atual governo. Essa orientação liberal extremada é uma orientação que só pensa em buscar o equilíbrio através do corte de gastos. Porque, na verdade, você não pode pensar no Estado como empresa, que busca alcançar o lucro a qualquer custo. O Estado tem também a função de indução econômica, o que no Brasil foi largamente utilizado em vários momentos. Então essa é a contradição que estamos vivendo. Nesse sentido, sem dúvida, essa política é um tiro no pé, porque ela está agravando aqueles elementos que impedem a retomada do crescimento, na medida em que o Estado se retira cada vez mais e a capacidade das empresas responderem a essa situação fica limitada, ou porque elas preferem apostar na ciranda financeira ou porque há uma desconfiança, há uma crise política permanente, atuações desastradas que perpassaram tanto o governo anterior quanto o atual. Então, essa insegurança faz com que essa situação permaneça. E por outro lado, existe a chantagem patronal, feita em torno da reforma da Previdência, de que, se não se aprovar a reforma, não vai haver investimento. Agora, é uma chantagem que está se mostrando real, num momento em que há uma paralisia de investimentos e há uma exigência do mercado em torno da aprovação da Reforma da Previdência, pelo que ela representa em termos de abertura de mercado, principalmente para o sistema financeiro.

As greves gerais de abril e 30 de junho 2017, as manifestações nacionais contra o corte orçamentário na educação e a Reforma da Previdência dos dias 15 e 30 de maio e a greve geral deste mês de junho. A população está atendendo a contento aos chamados para as mobilizações ou está faltando algo mais para incomodar o governo e a classe dominante?

É muito importante destacarmos que, apesar do desemprego muito alto, apesar da precarização do trabalho, ímpar na história brasileira, apesar desse desmonte da classe trabalhadora, dos ataques aos sindicatos, os trabalhadores do Brasil têm tido força para realizar mobilizações desse porte. Eu penso que falta é uma maior capacidade de unidade e disposição de mobilização do conjunto das centrais sindicais e, a partir delas, dos sindicatos filiados. Dos momentos de mobilização que nós tivemos e que tiveram muita importância eu destacaria a paralisação de abril de 2017 e a paralisação mais recente, agora no mês de junho, em que pese que, nesta, nós tenhamos uma distinção. Em termos de visibilidade, a paralisação do transporte foi menor e ficou um sentimento de que não houve uma paralisação tão grande, de que efetivamente não tivemos uma greve geral. Apesar de tudo isso, não há uma derrota da classe trabalhadora, no sentido de reverter a sua capacidade de reação. Isso é muito importante, porque essas políticas econômicas que a gente vê estiveram presentes em todos os governos. Vamos começar pelo governo Fernando Henrique Cardoso, que talvez tenha sido o governo, do ponto de vista dessa concepção neoliberal, o mais coerente de todos. Fez uma reforma do Estado pesada, uma Reforma da Previdência que garantiu o início da implantação da previdência complementar, fez um processo de privatizações como nunca na história brasileira. Agora, tudo isso tem base na derrota que os trabalhadores sofreram, que foi naquela greve dos petroleiros de 1995, contra a privatização da Petrobras. A greve foi derrotada e muitos dirigentes sindicais foram demitidos, os sindicatos sofreram intervenção e ficaram sem arrecadação financeira. E isso repercutiu sobre toda a classe trabalhadora. Ficou na consciência da classe trabalhadora o peso de uma derrota dessa monta. Por isso eu ressalvo que hoje, apesar dos ataques, não estamos numa situação como aquela e aí entra o papel dos sindicatos, em particular das centrais sindicais, no sentido de criar uma unidade desses movimentos, com uma pauta comum, que passa, na minha opinião, por barrar a reforma da Previdência, por  fazer retroceder e revogar as medidas da reforma trabalhista, pela defesa do orçamento público para políticas públicas, pela revogação de medidas tomadas mais recentemente, no governo Temer, que é a questão da DRU, da Emenda Constitucional 95, da lei das terceirizações, da reforma trabalhista e de outras medidas que foram tomadas, pela preservação das empresas como a Petrobras, que está (o governo) entregando essa riqueza fabulosa que nós temos  para os investidores estrangeiros. E essa mobilização, na minha opinião, é possível, e isso já foi demonstrado. É preciso ter um papel mais ativo das centrais sindicais, que apostem na mobilização e não numa falsa negociação com o governo e com o Congresso, pois está demonstrado que que ambos não estão dispostos a fazer uma negociação pela preservação de direitos.

Qual é a sua avaliação sobre o fim do imposto sindical?

Em primeiro lugar, na minha concepção política, o imposto sindical é uma coisa ruim porque atrela os sindicatos ao Estado, cria uma dependência econômica e, principalmente, porque, a qualquer momento, o Estado poderia fazer o que fez, que foi retirá-lo. Lamentavelmente, nos sindicatos, principalmente do setor privado, não houve uma preparação para se abrir mão dessa receita e viver com recursos próprios, livremente decididos pelos trabalhadores, que é a concepção que eu defendo. Mas quem deve decidir isso são os próprios trabalhadores. Então, nesse sentido, a medida do governo tomou foi um ataque à organização sindical, porque o objetivo dela era justamente inviabilizar o funcionamento dessas entidades que dependem do imposto sindical. Eu acho que o exemplo do SITRAEMG e da Fenajufe (na verdade, os sindicatos da base da Federação, de não recolher o imposto sindical) é o exemplo que tem que ser seguido no conjunto dos sindicatos do país, no sentido de ficarem livres das amarras do imposto sindical, livres dessa dependência, livres dessa receita que dependia essencialmente do governo e que inclusive afastava os sindicatos dos locais de trabalho, da filiação dos trabalhadores para sustentarem a entidade. Então, entendo que foi um ataque aos sindicatos. Por outro lado, acho que o mecanismo que nós temos que buscar é autodeterminação, o funcionamento livre dos sindicatos, não nos prendermos a uma pauta de retorno do imposto sindical porque está demonstrado historicamente que esse não é um instrumento que liberta os sindicatos. Ao contrário, ele (o imposto sindical) atrela os sindicatos aos instrumentos governamentais e patronais e afasta os sindicatos de seu real papel que é construir um sindicalismo forte, de base, autônomo e independente dos governos e patrões, inclusive do ponto de vista financeiro.

Em poucas palavras, como você analisa cada governo que tivemos, em relação à classe trabalhadora, desde a retomada da democracia – com Sarney – ao atual?

O que nós tivemos com o advento da chamada Nova República, no período do governo Sarney, foi um período em que, de um lado, tivemos avanços constitucionais, avanços políticos, conquistas democráticas importantes para toda a população e para os trabalhadores em particular, cujo ponto alto foi a Constituição de 1988. Mas é necessário a gente reconhecer que isso só se deu nesse período porque as classes populares, os trabalhadores em particular, exerceram a sua capacidade de mobilização para pressionar esses governos a atenderem parte dos nossos pleitos, das nossas reivindicações. Se pegarmos a Constituição de 1988, ao final do governo Sarney, ainda em 1989, nós já começamos a sofrer os primeiros ataques em nossas conquistas na CF, no caso da Previdência, por exemplo. O governo Collor foi um governo de feição tipicamente liberal. Inaugura com toda pompa a discussão dessa questão do Estado mínimo, um governo anti-serviço público, abertamente atacando o servidor público, ganha a eleição numa polarização entre esquerda e direita e tenta implementar esse plano de maneira autoritária, gerando contradições que levaram à queda dele e à subida do Itamar, que foi um governo também que não abriu mão dessas políticas. O governo Itamar, por exemplo, inicia o processo das privatizações, que teria continuidade no governo Fernando Henrique Cardoso, já com o Plano Real, com a economia estabilizada. Um dos pontos altos do governo Fernando Henrique Cardoso foram as privatizações em larga escala e as reformas constitucionais como um todo, principalmente a Reforma Administrativa e a Reforma da Previdência, de 1988, a EC nº 20. Ao ciclo dos governos tipicamente liberais, como o de FHC, sucederam o que eu chamaria de governos de “colaboração de classes”, que tiveram o Partido dos Trabalhadores na cabeça, mas em aliança com forças políticas conservadoras, de direita, patronais, que variaram ao longo dos governos – José Alencar inicialmente como vice e depois o PMDB. Mas, especificamente, apresentaram a ideia de que era possível um governo que atendesse aos dois lados da sociedade: aos muito ricos e aos muito pobres. Foram governos que, embora tenham em algum momento – até aproveitando-se da situação econômica mais favorável no início, o que propiciou um crescimento econômico importante por alguns anos – tido a capacidade de fazer algumas pequenas reformas distributivas, foram governos que, em essência, não ousaram romper com a lógica que preside a economia brasileira desde sempre. Que é essa dependência, essa primazia, esse apoio praticamente total ao setor financeiro. Esses governos não tiveram a capacidade de enfrentar essa situação, esse pacto com a elite do país, o setor financeiro – tanto que esse setor, ao longo desses governos, vivia angariando lucros absurdos – o que fez com que as conquistas sociais, que foram pequenas nesse período, mas que alavancaram um setor da sociedade, na primeira esquina, quando a crise econômica volta com força, se perdessem, porque o país não criou bases econômicas sólidas, políticas econômicas de desenvolvimento que pudessem enfrentar a crise. E foi justamente esse problema da crise econômica o motor fundamental que fez com que, em 2016, nós tivéssemos uma ruptura institucional na qual, por esses problemas, um setor importante da classe média se alia aos segmentos mais conservadores da sociedade e  resolve substituir o mandato do governo do turno para que, no tratamento dessa crise econômica, assumissem as forças econômicas de direita, liberais, neoliberais, com um programa de ajustes muito mais duro do que aquele que vinha sendo aplicado. Não que durante os governos do PT não tenha havido políticas liberais e duras contra os trabalhadores. Ao contrário. A Reforma da Previdência de 2003 atingiu fortemente os servidores públicos, além de outras medidas econômicas. Mas houve ainda algum espaço para algum grau de distribuição de renda no país. A partir de 2015, 2016, isso se fecha, e o que nós estamos vivendo – isso teria começado um pouco antes, em 2012 – é um ciclo de retração econômica muito pesada e que não se reverte justamente porque nós temos uma combinação de crise econômica e de crise política, sendo que nenhum desses governos ousou mexer naquilo que é fundamental na economia brasileira, que é essa dependência do setor financeiro, esse fortalecimento do rentismo, essa situação esdrúxula de que, numa crise como essa, 40% do nosso orçamento anualmente é desviado para pagar juros e amortização de uma dívida pública que não para de crescer. Então, eu diria que, guardadas as proporções e as diferenças entre essas forças políticas nos sucessivos governos, nós não tivemos em nenhum momento uma política econômica autônoma que ousasse enfrentar esses verdadeiros agiotas da nação, que são os banqueiros. Essa é a raiz dos problemas da situação que nós estamos vivendo, que chega às raias do absurdo quando se congela orçamento, se desvincula receita e se pretende privatizar uma Previdência Social, que é um mecanismo mínimo de distribuição de renda, de reduzir a desigualdade, em particular para a população mais pobre e para os municípios mais distantes do país.

“É um governo de uma nota só nesse aspecto da política econômica, que é a defesa da Reforma da Previdência”

Apoiadores do atual governo reclamam que há uma forte pressão e oposição ao Palácio do Planalto apesar de poucos meses de mandato. Essas queixas têm razão de ser?

O que eu vejo nesses primeiros seis meses de governo é que a principal oposição a ele é o próprio governo. Na verdade, todos os problemas que ele tem enfrentado, no que diz respeito à tramitação de seus projetos, envolve justamente sua base de sustentação no Congresso. Nós estamos vivendo uma situação de crise econômica bastante grande. É um governo de uma nota só nesse aspecto da política econômica, que é a defesa da reforma da Previdência. O que já está demonstrado que é um esforço para tentar abrir outro mercado para o setor privado, para os bancos, para o setor financeiro em particular. E a respeito das medidas que esse governo poderia adotar, no terreno econômico, não há nenhuma política para acabar com a mamata do setor financeiro, não há nada no que toca às grandes fortunas, não há nada no que toca aos dividendos que são pagos pelas grandes empresas, recua na reforma tributária, enfim, é um governo que está centrado numa política fiscal restritiva e numa proposta de Reforma da Previdência que não é uma coisa simples de passar porque é um ataque brutal à população pelas medidas que ela propõe: ampliação da idade mínima para se aposentar, aumento do tempo de contribuição, restrição do acesso aos benefícios, diminuição dos valores dos benefícios, a dificuldade para se acumular aposentadoria e pensão, mudança no PIS/PASEP, uma série de coisas que estão embutidas nessa reforma. E é um governo que, por outro lado, aposta em uma pauta muito conservadora, concentrada em discussões como a liberação da posse e o porte de armas, todo um debate contra a educação, com um viés ideológico atrasado, retrógrado, algo medieval, em certos aspectos, atacando a educação e as instituições educacionais que, na verdade, mereceriam um apoio muito maior dos órgãos públicos do Brasil. E é esse o conflito que acaba gerando, e fazendo com que a maior oposição ao governo é o próprio governo dentro do Congresso. A oposição nesse momento é minoria e o governo acabou se tornando refém e já está, inclusive, repetindo as mesmas práticas clientelistas, de apoio e compra de votos, como foi agora com a aprovação (na verdade, o apoio, pois o texto ainda não foi votado) do relatório da Reforma da Previdência. É a velha e tradicional convivência com os parlamentares do denominado Centrão, esse grupo de parlamentares que se formou no Brasil desde a Constituição de 1988 e que tem sido o fiel da balança nas votações – parlamentares conservadores, que possuem um viés ideológico indefinido, mas que em geral se alinham com a ideologia de direita – que, de pires na mão, ali com o governo, impõem e fazem com que o Congresso seja um balcão de negócios permanente.

Que estratégias de mobilização você sugeriria aos servidores do Judiciário para barrar, com força total, a reforma da Previdência, fim da estabilidade no serviço público e outras medidas de retirada de direitos?

Que busquem a unidade, se unindo às demais categorias de servidores públicos, aos demais trabalhadores do setor privado e mesmo aos desempregados. A unidade de toda a classe trabalhadora, dos desempregados e demais segmentos pobres e explorados do nosso país é a principal tarefa do momento. São os segmentos escolhidos pelo atual governo para seguirem pagando a conta da crise, o funcionalismo público em particular que, na visão dos governantes, ainda têm privilégios a serem cortados. Essa unidade deve ter uma pauta comum de atuação, como eu já disse: evitar essa nova reforma da previdência, reverter os cortes do orçamento público e as contrarreformas do governo Temer, principalmente – reforma trabalhista, terceirização, PEC do teto, a DRU etc. Devemos começar esse processo pelas discussões e organização desde o nosso local de trabalho e atender aos chamados do Sindicato para as assembleias, atos públicos e paralisações. Nós precisamos recuperar essa capacidade de unidade e de mobilização e exigir políticas que assegurem empregos e direitos para as pessoas. Não tem saída individual. É o modelo de Estado que está em discussão no Brasil, nesse momento histórico. Há conflitos de interesses, é claro. Nós, trabalhadores, precisamos saber quais são os nossos interesses em disputa e lutar por eles.

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