Na semana em que o Fórum Nacional de Previdência Social fará sessão plenária para tentar definir propostas de consenso para mudar o sistema, o governo e as centrais sindicais não se entendem sobre projeções para o déficit do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) nas próximas décadas. Os especialistas que assessoram as centrais contestam os cálculos do governo e afirmam que o crescimento anual médio do País, projetado para os próximos 40 anos, é muito inferior à média histórica.
O secretário de Previdência Social, Helmut Schwarzer, projeta uma elevação do rombo nas contas do INSS de 1,8% do Produto Interno Bruto (PIB) deste ano para 5,16% do PIB em 2050. Para ele, essa realidade não será alterada apenas com a inclusão de mais trabalhadores no sistema previdenciário, ao contrário do que acreditam as centrais sindicais.
Nos seus cálculos, mesmo que a formalização da mão-de-obra aumente 1,1% ao ano, o déficit do INSS melhoraria apenas no curto e médio prazos em relação ao projetado, mas pioraria no longo prazo, chegando a 5,61% do PIB em 2050. “No início, a receita aumenta, mas depois as pessoas que estão entrando no sistema baterão nas portas da Previdência em busca de benefícios, o que aumentará a despesa”, argumentou. “A inclusão é um imperativo ético, mas não resolve o problema.”
No cenário básico do Ministério da Previdência, o Brasil crescerá 3,5% a partir de 2011 até 1,49% em 2050. A média no período seria de 2,26%. O economista Amir Khair diz que essa taxa é menor do que a verificada no País tanto de 1900 a 1980, de 5,7% ao ano, como até mesmo na comparação com os últimos 26 anos, quando a economia teve as mais baixas taxas de expansão: de 1980 a 2006, a taxa média anual foi de 2,5%. “Com um crescimento tão baixo, qualquer indicador do País vai piorar, não apenas as contas da Previdência”, observou ele.
Khair contesta o modelo usado pela Previdência para projetar o déficit, que vê o crescimento do PIB como resultado apenas da expansão da massa de salários pagos no País. “Nas discussões que tivemos com o governo, mostramos que o crescimento depende também de outros fatores, como o crédito, as condições internacionais, etc.”
Ele acredita que é possível zerar o déficit do INSS em 2050, com melhoria na gestão do sistema e na eficiência da arrecadação. E destaca que, de janeiro a junho deste ano, o crescimento das receitas previdenciárias foi, pela primeira vez, mais forte do que as despesas. Para Khair, isso é reflexo da formalização da mão-de-obra e a melhoria da arrecadação por parte da Receita.
Para Schwarzer, é preciso fazer uma reforma do sistema pelo menos para o médio prazo. “Temos uma janela demográfica que nos permite fazer o ajuste de forma justa e suave”, disse, explicando que essa “janela” decorre do fato de o Brasil ainda ter uma população crescente na idade entre 15 e 60 anos. Segundo ele, a partir de 2040, a faixa acima dos 60 anos passará a crescer mais rapidamente.
Para Schwarzer, os dois dias da plenária do fórum, esta semana, serão “o grande teste”. Desde janeiro, quando começou a funcionar, o fórum apenas ouviu visões diferentes sobre a situação da Previdência e debateu temas em pequenos grupos.
CUT QUER PRIORIDADE AO AUMENTO DE RECEITAS – Brasília
As centrais sindicais – principalmente a Central Única dos Trabalhadores (CUT), ligada ao PT – são radicalmente contra qualquer alteração nas regras da Previdência pelos critérios que estão em debate. O presidente da CUT, Arthur Henrique Silva, acha que é errado partir do princípio de que existe déficit porque, pelo conceito de seguridade social – que inclui previdência, saúde e assistência social -, há fontes de recursos de sobra, pois não se limitam às contribuições de empresas e empregados.
“É dessa premissa básica que queremos partir para debater o modelo de Previdência que deve existir daqui a 40 anos”, afirmou. Assim, a CUT propõe reformar o sistema para ampliar receitas. Além de incluir mais trabalhadores no sistema, quer que empresas contribuam para o INSS também sobre o faturamento, diminuindo a alíquota de 20% que hoje incide sobre a folha de salários.
A CUT revelou também que não aceitará votações dentro do fórum. “Não queremos criar uma situação de bancada contra bancada”, alegou seu presidente.
O secretário de Previdência Social, Helmut Schwarzer, concorda em não fazer votações, para evitar “vencedores e perdedores”, mas disse que o fórum pode dar sugestões ao governo por meio de maioria de seus integrantes. “Não esperamos fechar um projeto dentro do fórum, mas fazer recomendações sobre o assunto.” Uma questão a ser discutida é a adoção de idade mínima para pedir aposentadoria. Mas o presidente da CUT já avisou que não aceita mudar isso
O PRESIDENTE É O RESPONSÁVEL, por Carlos Alberto Di Franco
Duzentas pessoas estão mortas. Elas devem ser somadas às 154 vidas segadas no Boeing da Gol que colidiu com o jato Legacy. Balanço terrível do caos da aviação: 354 vítimas da incompetência, da corrupção, da omissão e do desgoverno. O Brasil está sendo desconstruído. A crise aérea, com a brutalidade das baixas registradas, é apenas a ponta trágica do iceberg. O apagão não se limita ao setor aéreo. Toda a infra-estrutura se está decompondo. Assiste-se, na verdade, a um espantoso divórcio entre o discurso e a prática. As Parcerias Público-Privadas (PPPs), trombeteadas nos megafones oficiais há três anos (a lei que instituiu as PPPs é de dezembro de 2004), não se concretizam. As reformas essenciais para o desenvolvimento do Brasil, não obstante a folgada maioria que apóia o governo no Congresso, não avançam. E a ladroagem, cínica e irrefreável, engole hospitais, escolas e investimentos em infra-estrutura.
Questionado a respeito da corrupção que tomou conta do País, o presidente da República responde em tom monocórdio: “Não se pode condenar ou absolver quem quer que seja com base em opiniões apressadas.” Segundo o presidente e seus assessores, é tudo invenção de uma imprensa que só pensa em dar notícias ruins.
A resposta vale para tudo: mensalão, dólares na cueca, sanguessugas, quebra do sigilo do caseiro, caso Renan, etc. Mas o mais triste, caro leitor, é que também está servindo como tentativa de fuga da responsabilidade pela incompetência que está na raiz dos dois desastres aéreos. A rota de fuga foi clara. O presidente Lula, habitualmente loquaz, desapareceu após a tragédia de Congonhas. Nenhuma palavra, exceto a frieza burocrática de uma nota lida por seu porta-voz. Nenhum gesto. Nenhum telefonema. Nada. O comportamento de Lula é inédito. Quando os espanhóis foram esmagados pelo atentado em Madri em março de 2004, o primeiro-ministro José Maria Aznar dirigiu-se ao povo pela TV imediatamente e o rei e a rainha foram visitar os feridos e consolar as famílias. Jacques Chirac não fugiu das conseqüências dos quebra-quebras em Paris. George Bush foi ao campus da Universidade da Virgínia para confortar os sobreviventes de uma chacina, em abril deste ano. Lula preferiu livrar-se do desconforto de um terçol.
Nas 72 horas que se seguiram à maior tragédia aérea de nossa História, a única reação do Palácio do Planalto foi uma tentativa covarde de jogar a culpa numa das vítimas do apagão aéreo: o piloto do avião. Seguindo o tom do chefe, o ministro das Relações Institucionais, Walfrido dos Mares Guia, pediu prudência para com “julgamentos apressados”. E, contrariando seu conselho, sapecou um julgamento: “Não é culpa do presidente nem de ninguém, a não ser de quem estava pilotando, se o desastre tiver ocorrido por falha humana.” Mas a bofetada definitiva no luto dos brasileiros foi desferida por um dos amigos íntimos do presidente da República. Marco Aurélio Garcia, assessor especial da Presidência, e seu auxiliar Bruno Gaspar foram flagrados assistindo e comemorando uma notícia do Jornal Nacional, da Rede Globo, que apontava uma hipotética falha mecânica no avião da TAM como provável causa do acidente. Os gestos obscenos extravasavam uma satisfação grotesca com a suposta transferência de responsabilidade. O governo estaria salvo. Erraram. O governo está atolado até o pescoço. O gesto do assessor palaciano só reforçou a percepção de que temos um presidente obcecado com sua imagem, mas náufrago de capacidade decisória e de gestão. O presidente da República sente atração pelos holofotes, mas resiste ao trabalho monótono, ao natural desgaste do dia-a-dia. Mas é isso que faz a diferença. Carisma e bravata não são capazes de resolver os problemas de um país. Lula gosta das situações favoráveis, mas tem pavor da adversidade.
Gosta dos palanques com claque, mas foge das entrevistas coletivas e dos questionamentos naturais em qualquer democracia.
Há dez meses, quando o avião da Gol se chocou com o Legacy, Lula passou um atestado público de sua falta de comando. Ninguém foi demitido. O presidente, um homem que tenta governar apenas com discursos, insistia: “Quero prazo, dia e hora para anunciar ao Brasil que não vai ter mais problema nos aeroportos brasileiros.” De lá para cá, a situação agravou-se dramaticamente. Seus auxiliares multiplicaram declarações estarrecedoras.
“Vocês são inteligentes. O avião caiu de 11 mil metros de altura. O que vocês esperavam? Corpos?”, disse Denise Abreu, diretora da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), aos parentes das vítimas do desastre com o avião da Gol.
“Não há caos aéreo. Há um aumento do fluxo de tráfego. É a prosperidade do País. Mais gente viajando, mais aviões” – Guido Mantega, ministro da Fazenda, tentando atribuir o problema ao aquecimento da economia.
“É uma crise de natureza emocional” – Waldir Pires, ex-ministro da Defesa.
“Relaxa e goza” – Marta Suplicy, ministra do Turismo, quando perguntada sobre que incentivo os brasileiros teriam para viajar em meio ao caos nos aeroportos.
Ninguém, não obstante o absurdo das declarações, foi demitido. Ademais, a troca de acusações e o jogo de empurra-empurra entre Ministério da Defesa, Infraero e Anac, nos bastidores do governo e nas páginas dos jornais, evidenciam o óbvio: todos falam e ninguém manda. Falta comando. Agora, Lula joga todas as fichas em Nelson Jobim, uma espécie de primeiro-ministro do espaço aéreo. Dará certo? Depende de Lula. Só dele.
O presidente da República é o grande responsável pela crise que machuca o Brasil. Não adianta se esconder. Liderança exige coragem, sobretudo na adversidade.
* Carlos Alberto Di Franco, diretor do Master em Jornalismo, professor de Ética e doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra, é diretor da Di Franco – Consultoria em Estratégia de Mídia E-mail: difranco@ceu.org.br
Fonte: Estado de S. Paulo