Por Aloísio de Toledo César *
O reinício das atividades do Congresso Nacional, no segundo semestre, servirá para testar as reais intenções do presidente Lula quanto ao direito de greve no serviço público, problema gravíssimo que o País enfrenta desde a edição da Constituição federal, em outubro de 1988.
Quando era votada a Carta Magna, naquele período imediatamente posterior à ditadura militar, incluiu-se equivocadamente no artigo 9º o direito incondicional de greve, facultando aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e a forma de fazê-lo.
Realmente, foi um erro, porque a mencionada norma, da forma como foi editada, abrangeu também os serviços públicos, permitindo que ocorressem no País, seguida e rotineiramente, verdadeiras desgraças, como greves em saúde, transporte e atendimento de urgência nas repartições.
O mais grave é que nessas greves os servidores públicos, amparados pela estabilidade no emprego, usam o sofrimento da população como argumento em favor de suas reivindicações. As greves no Metrô de São Paulo, no Sistema Único de Saúde e no fornecimento de passaportes retratam fielmente a grotesca omissão dos governantes, que a tudo assistem como se nada acontecesse.
Todos sabemos que um projeto de lei somente será aprovado no Congresso se obtiver mais do que o aval do presidente da República: deverá obter também a sua real participação política, arregimentando em favor da idéia os aliados, que constituem maioria nas duas Casas legislativas.
Não há dúvida alguma de que o presidente da República possui maioria tanto na Câmara dos Deputados como no Senado e terá força para aprovar o projeto de lei, caso realmente assim o deseje.
Aproxima-se o momento, portanto, de aferir se ele realmente está disposto a resolver a questão, em favor das multidões que sofrem com as greves, ou fará o mais cômodo, que é simplesmente enviar o projeto de lei ao Congresso, para causar a impressão de que agiu, deixando que tudo continue na mesma.
Com aquele seu jeito afável e arguto, sempre num misto de malícia e realismo, Tancredo Neves costumava dizer que a melhor forma de um governante não resolver um problema é nomear uma comissão. Ele dizia isso e sorria – e o seu sorriso já dizia todo o resto.
Há atos dos governantes, voltados para o mundo exterior, que causam nos espíritos menos avisados a impressão de que não ocorre a lamentável omissão administrativa, sempre perigosa e que abre aos adversários o exercício de um arsenal de ações políticas e até mesmo judiciais.
Assim, enviar um projeto de lei e não demonstrar afinco em aprová-lo significará o mesmo que nomear uma comissão, como dizia Tancredo Neves. Aproxima-se a hora, repete-se, de verificar se o presidente da República tomará meia atitude, enviando tão-somente o projeto ao Congresso, ou se de fato botará a cabeça para fora, defendendo abertamente a sua aprovação.
Lula foi um grevista contumaz, porém é forçoso ressaltar que a sua atuação envolvia, na maioria das vezes, greves realizadas em segmentos privados da Nação. Agora a situação é diferente, porque a greve – seja no Metrô, seja na Saúde, na Polícia Federal ou nos controladores de vôos – o alcança diretamente e o expõe perante a opinião pública.
O ângulo de análise que o antigo grevista tem pela frente é outro e por isso mesmo há esperança de que ocorra a necessária regulamentação. Ao prever o direito de greve, no artigo 9º, a Constituição federal fez uma ressalva importante em seu parágrafo I: “A lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.”
Falhou mais uma vez o legislador constituinte ao deixar de estabelecer prazo para a remessa do projeto ao Congresso. Isso porque a lei já deveria estar aprovada e em vigor desde os primeiros meses após a edição da Carta Magna, tão relevante é o tema de que trata.
Já se passaram quase 18 anos e nada foi feito, mas agora há uma diferença: no presente, as conseqüências das greves são mais desastrosas e afetam a vida de milhões de pessoas, sugerindo a conivência daqueles que se colocam como simples expectadores de acontecimentos e lavam as mãos, como Pilatos.
A gravidade pode ser avaliada pela quase impossibilidade de punição dos servidores públicos que se envolvem em greves. Realmente, sendo beneficiários da estabilidade no serviço público, e estando amparados pelo direito de greve, previsto pela própria Constituição federal, torna-se quase impossível responsabilizá-los e puni-los.
Esse é o motivo por que a população, conforme já se disse tantas vezes, permanece refém dos grevistas. Talvez seja por isso que, num momento de maior sensibilidade, em 21 de junho, o ministro Paulo Bernardo assumiu o compromisso de remeter, na reabertura dos trabalhos legislativos, o projeto de lei que regulamenta o direito de greve nos serviços públicos. Ele ressaltou, naquela oportunidade, que isso será feito mesmo que não exista acordo entre governo e servidores públicos. Sua promessa adiantou que se dará especial atenção a regras que garantam à população atendimento nos serviços básicos de saúde, educação e segurança, evitando-se as greves nos serviços públicos que prejudiquem o cidadão menos assistido, que freqüenta as filas dos hospitais, da assistência social, das escolas e outras.
Tão direto e incisivo foi seu pronunciamento que os órgãos oficiais de comunicação do governo federal o reproduziram com destaque. Tomara que neste interregno não tenha havido nenhuma reviravolta que faça tudo voltar ao marco zero. Ou que desgraças igualmente sofríveis, como os problemas nos aeroportos e episódios como o de Renan Calheiros, continuem a mobilizar a atenção dos brasileiros, paralisando o Congresso Nacional.
* Aloísio de Toledo César é desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Fonte: Estadão