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Já está mais do que provado que a ideia de que o tempo traz sempre uma evolução é ilusória. O movimento sindical do PJU está frente a uma disjuntiva. Por um lado, há aqueles que acreditam que a valorização das carreiras do Judiciário virá do fortalecimento do vínculo de nossas entidades com dirigentes e espaços de poder. Por outro, aqueles que, a partir de uma constatação do conflito de interesses, apostam em voltar a fortalecer nosso movimento como espaço de unidade e luta.
Por trás da aparência de uma polarização fundada no conflito entre cargos, o que está na essência do debate sindical da nossa categoria é a compreensão política de como o movimento deve atuar.
Trata-se de uma essência que estratégias comunicativas tentam mascarar, substituindo o debate intelectual por discursos de ódio ou por acusações morais, assim como acontece em outros âmbitos.
Fatos recentes
Ao analisar os últimos acontecimentos no movimento sindical da categoria, temos, por um lado, os setores com peso minoritário na direção da Fenajufe que vem defendendo há anos a necessidade de voltar a fazer uma greve nacional. Estes, após ter conseguido aprovar a greve em congresso nacional da Federação, empenharam-se num amplo trabalho de base para a construção desse movimento nos estados onde tem peso, dirigem ou fazem parte da direção dos sindicatos.
Já, por outro lado, vimos direções sindicais submetendo-se a prazos e critérios impostos pelo representante do CNJ no Fórum de Carreira, com o propósito de apresentar, cinco dias antes da data marcada para início dessa greve, uma proposta que seria de “consenso” na categoria. Com isso, fomentaram a expectativa de construir um acordo com as administrações do PJU.
Primeiramente, cabe registrar que a ideia de “proposta de consenso” só pode ser recebida de forma irônica. Seja fruto de diferenças naturais oriundas de opiniões ou interesses, seja fruto da influência de entidades ou grupos que vêm construindo um discurso de fragmentação, tudo o que se percebe é que não há consenso ou proposta “natural” aceita por todos.
Podemos ter a expectativa de conciliar diferenças e legitimar propostas a partir de instâncias de debate e deliberação democrática de base, considerando interesses maiores que deveriam nos unir. Essa, sim, é uma expectativa que juntamente com vários grupos, colegas de diferentes cargos e ativistas do nosso movimento sindical devemos alimentar.
Mas isso é muito diferente de querer impor um “consenso”. E também muito diferente de querer apresentar como “natural” e “necessária” a aceitação da deliberação de uma instância, como o CDE da Fenajufe, convocada às pressas pelo setor majoritário da direção dessa entidade apenas para legitimar “a toque de caixa” algo costurado previamente sem a participação da base.
O CDE é o Conselho Deliberativo de Entidades, que conta com um representante titular e um suplente por sindicato. No dia 25 de junho, tal instância foi chamada pelo setor majoritário da direção da Federação para assumir a proposta antes apresentada pelo sindicato de Brasília como supostamente representativa de toda a categoria.
O estatuto da Fenajufe é claro ao apontar que o CDE não é instância para deliberar a respeito de propostas de reajuste. Além disso, a reunião que teria referendado tal proposta de “acordo” foi convocada sem ter na pauta nenhuma previsão de deliberação.
Mas, para além desse questionamento formal, cabe refletir se é legítimo substituir um debate amplo como o construído para a elaboração do PCCs pelo mero referendo de uma proposta que sequer foi apresentada à categoria e que surgiu de uma costura das cúpulas sindicais a serviço da ilusão de um acordo.
Cabe lembrar que na mencionada reunião do CDE não houve espaço para questionar, debater ou deliberar sobre os prazos impostos, ou para se votar outra proposta. Tratou-se, simplesmente, de uma instância do movimento sindical na qual vigoraram os critérios estabelecidos pelo representante do CNJ, respaldados de forma submissa e autoritária pelo setor majoritário da Federação.
Mas a expectativa de um acordo com as administrações se frustrou e, após a reunião do Fórum de Carreira, o discurso daqueles que haviam defendido a proposta se reformulou. A narrativa era de que, se todos os representantes no Fórum de Carreira tivessem aceitado a forçada “unanimidade”, os tribunais, mesmo contrariados, estariam dispostos a se submeter ao tal “consenso”, aceitariam uma votação com valor meramente simbólico e vingaria a proposta “da categoria” como vencedora.
Todos os grupos políticos que atuaram contra a greve, mesmo com suas diferenças, reproduziram um mesmo discurso que desviava a indignação da categoria perante a proposta desrespeitosa das administrações para outro alvo. Nenhuma crítica aos representantes dos tribunais superiores e conselhos que apresentaram e respaldaram a proposta das administrações. O representante do CNJ, coordenador do Fórum, responsável por formular a proposta das administrações e definir o resultado final da votação, só recebeu elogios. O “problema todo” eram as dirigentes que haviam defendido a greve, mas decidiram não atropelar as suas bases e não toparam a encenação.
Conclusão
A subordinação do movimento sindical às regras impostas pelo representante do Fórum de Carreira – que impôs ultimatos, prazos e votações – só pode ser compreendida a partir da submissão à hierarquia e ao status dominante na sociedade.
Uma representação à altura da dignidade e da defesa da valorização dos servidores que fazem o Poder Judiciário funcionar reivindicaria uma negociação respeitosa, com o compartilhamento dos dados orçamentários, atendendo aos tempos da democracia sindical. Mas o caráter coronelista e patrimonialista da história do Brasil fortaleceu a cultura de que vale mais a pena pedir favores e construir boas relações com os agentes do poder, ao invés de construir a luta por direitos.
Volto à disjuntiva apresentada inicialmente e à estratégia política daqueles que não apostam numa perspectiva de embate, conflito de interesses ou luta sindical. Trata-se de uma visão que não conflita com a hipótese de fragmentação em sindicatos por cargo. O anseio passa a ser como se adequar melhor aos limites impostos pelas administrações.
A mesma lógica hierárquica que respalda a ideia de submissão da categoria às imposições dos espaços de poder e à magistratura é a que defende, com arrogância, uma hierarquia entre os servidores. Uma visão que naturaliza o fato de que apenas o mérito de um concurso diferente justificaria que um servidor receba uma vez e meia o salário do colega para realizar a mesma tarefa.
Com isso, o que se percebe é que o nível de conhecimento alcançado para conquistar no concurso o cargo de analista nem sempre impede uma alienação do contexto social que, em benefício da autoestima, leva a ignorar o fato de que num concurso não incide apenas o mérito pessoal. Trata-se de colegas que se aferram a uma ideia de meritocracia amplamente questionada nas iniciativas que resultaram no estabelecimento de cotas sociais para acesso ao ensino superior e de cotas raciais também no serviço público.
Não é a primeira vez que, na história do movimento sindical, as necessidades de uma categoria – ou de uma classe – conflitam com a falsa consciência construída historicamente pelo poder dominante. O longo período sem greves ou grandes lutas na nossa categoria fez com que muitos tenham esquecido, e outros não tenham experimentado, a força que a nossa categoria tem para alcançar conquistas. O aprendizado pode se dar a partir do caminho amargo das ilusões, ou a partir da consciência de quão potentes podemos ser como sujeitos. Não há um futuro garantido, a opção está nas nossas mãos.
David Landau
Coordenador Executivo do Sitraemg e coordenador da Fenajufe