O presidente Luiz Inácio Lula da Silva mandou endurecer o tratamento dispensado aos servidores federais em greve e descontar os dias parados. No início da semana, Lula chamou o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, e disse que o governo não negociará enquanto não houver retorno ao trabalho. ‘Ele me perguntou se estávamos cortando o ponto do pessoal do Ibama’, afirmou Bernardo ao Estado. ‘Eu disse que vamos cortar, sim, e ele falou: ‘Olha lá, vou cobrar depois’.’
O governo já avisou aos dirigentes sindicais que a partir de hoje começará a cortar o ponto não apenas dos grevistas do Ibama, mas também do Incra. Mesmo assim, eles continuam de braços cruzados, ao lado de funcionários do Ministério da Cultura, Datasus, Comissão Nacional de Energia Nuclear, além de servidores administrativos de 43 universidades federais. A paralisação foi encerrada ontem somente no Banco Central, após 43 dias. Pelas contas da Confederação dos Trabalhadores no Serviço Federal, filiada à CUT, o número de grevistas está agora na casa de 95 mil.
‘Se o governo descontar nosso ponto, estará fechando a única porta de negociação e entraremos na Justiça’, reagiu Jonas Corrêa, presidente da Associação Nacional dos Servidores do Ibama.
Paulo Bernardo comentou que, em algumas situações, o governo não consegue nem mesmo saber quais são as reais reivindicações dos grevistas. É o caso do Incra, que teria iniciado a paralisação no dia 21 de maio sem ter entregue a pauta ao Ministério do Desenvolvimento Agrário. ‘Fizemos uma plenária em dezembro e aprovamos documento que foi entregue ao presidente do Incra mais de uma vez’, rebateu o engenheiro agrônomo Ramon Chaves, do comando de greve do Incra. As reivindicações são as mesmas desde 2004: reestruturação do plano de cargos e contratação de mais servidores.
A exemplo de outros sindicalistas, Chaves não se conforma com a iniciativa de Lula de frear as paralisações no serviço público. ‘ Acho uma atitude muito triste de uma pessoa que se forjou nas greves’, lamentou.
MAL-ESTAR – O endurecimento do governo causa mal-estar em petistas, de ministros a parlamentares. ‘O PT ajudou a aprovar a medida provisória que dividiu o Ibama em solidariedade ao governo, mas houve um constrangimento muito grande na bancada’, admitiu o deputado Geraldo Magela (PT-DF), que votou contra a MP. ‘Foram saraivadas de críticas porque o Ministério do Meio Ambiente agiu com desdém.’-
Lula, porém, acha que os servidores estão passando dos limites. No diagnóstico do presidente, que comandou o Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo de 1975 a 1980, a paralisação dos servidores de diversas categorias não é mais greve, mas, sim, férias.
REGULAMENTAÇÃO É DEBATIDA
O projeto de lei regulamentando a greve dos servidores só deverá seguir para o Congresso no segundo semestre. O governo quer, primeiro, discutir o texto com as centrais sindicais, e para isso foi criado um grupo de trabalho com técnicos do Ministério do Planejamento e representantes dos sindicatos. ‘Vamos discutir nos próximos dois meses’, disse o presidente da CUT, Artur Henrique.
Ele considera que ‘uma parte do governo’ tem propostas muito radicais, como é o caso do dispositivo pelo qual uma paralisação só poderá ser iniciada se aprovada em assembléia por dois terços da categoria. ‘É uma loucura.’
A estratégia do governo é iniciar as negociações a partir de um modelo rigoroso. A regulamentação terá dois pontos principais: o desconto do salário nos dias parados e a definição sobre o que é serviço básico.
A RECAÍDA DE LULA
Só pode ser o “efeito Vavá”. De tanto encontrar na mídia notícias cada vez mais incômodas sobre as insalubres ligações do irmão mais velho Genival Inácio com o chefão dos caça-níqueis Nilton Cezar Servo, além de outros pecados veniais também descobertos pela Polícia Federal (PF), o presidente Lula começou a acusar o golpe. O primeiro sinal, numa entrevista em São Paulo, na terça-feira, foram as suas evasivas sobre o conhecimento que pudesse ter das movimentações do “ingênuo” irmão – isso depois de virem a público, detalhadamente, dois telefonemas gravados em que os interlocutores o convocavam, em nome do presidente, a se explicar em Brasília.
Na mesma entrevista, como que renegando os efusivos elogios que vinha fazendo ao seu trabalho, pôs-se a fustigar a Polícia Federal pelos vazamentos das apurações sob sigilo de Justiça na Operação Xeque-Mate, motivados, segundo ele, por brigas políticas internas. Deixou ainda no ar a queixa de que os investigadores atraíam a imprensa menos para o cardume de pintados colhidos na sua rede do que para o lambari Vavá, que se distinguiria dos demais do gênero apenas pelo parentesco, fazendo dele um assunto especial para policiais e jornalistas. No dia seguinte, o ministro da Justiça, Tarso Genro, apressou-se a sair em defesa do órgão, minimizando as estocadas presidenciais.
Nesse mesmo dia, porém, Lula perdeu o pé de vez e tornou a proporcionar um espetáculo confrangedor como aqueles de que parecia curado. A recaída foi um sintoma inequívoco da dificuldade de manter o autocontrole em face de uma situação adversa. A ocasião – o lançamento do Plano Nacional de Turismo – tinha tudo para ser amena. Mas o presidente dela se valeu, surpreendendo a audiência, para fazer um delirante ataque aos meios de comunicação que desestimulariam o brasileiro a passear, por não publicarem “nada de bonito” sobre o País. “O que a gente vê de bonito na imprensa brasileira? Quais são as mensagens que nos provocam a viajar no final de semana?”, perguntou. “Se fala de Pernambuco, é morte, se fala do Ceará, é morte, se fala da Bahia, é morte.”
Pela enésima vez, portanto, a imprensa é execrada por contar a verdade – no caso, a verdade da violência urbana, que tende a induzir as pessoas a ficar em casa, e ainda, dramatizou Lula, a ver se não há ali uma fresta, “para não vir bala perdida”. O que queria o presidente que a imprensa fizesse ao contemplar o retrato oficial da insegurança que atormenta o cotidiano dos brasileiros pintado por ele? Quem sabe sugerir ao povo que “relaxe e goze”, na linha do conselho dado por sua ministra Marta Suplicy às tresnoitadas vítimas do apagão aéreo? Ou quem sabe o ideal de Lula seja uma imprensa “democratizada”, como não se cansa de pregar o ex-ministro José Dirceu?
Essa não foi a única derrapagem do presidente que pode ser atribuída ao fator Vavá. Depois de investir contra a mídia, ele resolveu se entregar, relaxado, a uma modalidade de humor mais apropriada aos domingões televisivos – ou às chanchadas como as que consagraram Oscarito e Mesquitinha – do que a uma solenidade palaciana, mesmo na era do lulismo.
Querendo explicar por que “sair de casa é efetivamente um estado de espírito”, imaginou cenas do que seria a vida familiar de um brasileiro típico, descritas com expressões como “amorzinho”, “bota o cuecão”, “dá um coice”. No fim, o marido, que não foi devidamente motivado para viajar, ficou vendo televisão e brigou com a mulher, é punido pelo genro que chega e “já toma a cerveja gelada dele”.
Pode-se supor que até um incidente banal na cerimônia – sentado entre a ministra Marta e o presidente da Câmara, deputado Arlindo Chinaglia, ele deixou cair um copo com água, molhando o terno – foi provocado pela mesma agitação interna que o levou a cometer o duplo despropósito de responsabilizar ora a imprensa, ora a suposta acomodação do homem brasileiro pelo insuficiente turismo doméstico.
De todo modo, escavando um pouco mais a fundo a questão das reações do presidente, para além das suas causas circunstanciais, se chegará a uma conhecida – e deplorável – característica do seu modo de ser como governante – a de sempre transferir a outrem a culpa pelo que não vá bem no governo ou no País.
Fonte: Estado de S. Paulo