Não há novidade na crise econômica atual. A inadimplência do mercado imobiliário nos Estados Unidos já fora cantada em prosa e verso há tempos. E a volatilidade dos fundos financeiros em épocas de crise é muito conhecida.Onde a novidade então?
Flávio Aguiar – Carta Maior
SÃO PAULO – A crise de inadimplência no mercado imobiliário norte-americano era a bolha da vez. A possibilidade (ou a certeza) já fora detectada tempos atrás. Tampouco é novidade que numa situação destas os fundos de aplicação financeira se retraem e derrubam bolsas, apagam economias, deletam sonhos e desejos de milhões de investidores e cidadãos, pelos efeitos conexos, mundo a fora.
Tão conhecida é essa perspectiva que o assunto chegou a ser debatido na última reunião do G-8, o seleto grupo de países industrializados que se põem hoje na posição de potências donas do mundo: Estados Unidos, Grã-Bretanha, França, Alemanha, Itália, Canadá, Japão e Rússia. A reunião se deu em Heiligendamm, no norte da Alemanha, em junho passado, e nela a discussão assumiu a forma da necessidade de algum controle sobre os “hedge funds”, ou seja, aquela parcela de capitais aplicados que é considerada de alto risco e por isso se “cerca” de proteções para evitar perdas, embora isso signifique que sua manipulação possa provocar as perdas enormes que se notam nas regiões por onde esses capitais circulam.
A conclusão da reunião do G-8 não foi nada promissora, quero dizer, para o resto do mundo, embora tenha sido promissora para esses capitais, qual seja, a de que não havia muito o que fazer. A regulamentação era necessária sim, mas não havia como implementá-la de fato, e tudo ficou para uma próxima vez. Não há mesmo o que fazer a respeito na atual ordem financeira mundial, que é a das desregulamentações e de máxima proteção aos capitais investidos, com esvaziamento dos organismos internacionais que poderiam propiciar um ordenamento jurídico estável para proteção dos cidadãos por onde esses novos Molochs circulam em busca de sangue para sugar.
Porque é disso que se trata: esses capitais circulam pelo mundo em busca de riquezas produzidas que, transformadas em cifras, lhes engordam os lucros, às custas dos produtores dessas riquezas, que ficam à mercê das “oscilações de mercado”. Um ordenamento jurídico que protegesse as economias localizadas dessa farândula de entre-e-sai desses capitais só pode se pôr de pé num acordo entre estados-nação que se ancorassem num organismo internacional, amparado na ONU, que se sobrepusesse aos interesses particulares.
Um organismo como o G-8, que nem organismo é, mas que se arvora a ser a “pequena ONU” dos mandatários do mundo, decididamente nunca poderá organizar a vida desses “hedge-funds”, desses capitais de risco que não querem correr risco algum. E veja-se: no momento esse risco nem é propriamente algum tipo de confisco, trata-se apenas de impor-lhes uma disciplina sobre as transferências ou a realização. As dificuldades para tanto são enormes, quase intransponíveis na conjuntura atual, onde o fracasso da política de “one-power-nation” (os Estados Unidos) produziu os impasses que estão levando a uma nova corrida por áreas de demarcação política, inclusive do ponto de vista militar: uma nova guerra-fria a muitas mãos com conseqüências imprevisíveis.
Enquanto isso, os capitais de risco continuarão a levar o risco para todos os lados, inclusive, é claro, para nós. Teremos melhor proteção desta vez? É o que vamos saber nos próximos capítulos dessa instigante tele-novela.
Fonte: Agnência Carta Maior