Governo e sociedade vão apontar diretrizes para TV pública

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Apesar da Constituição Federal prever a existência complementar dos sistemas privado, estatal e público de comunicação no seu Artigo 223, a situação do principal meio do país, a televisão, evidencia um forte desequilíbrio favorável ao setor privado. As emissoras comerciais somam 80% das 350 TVs existentes no brasil, obtêm mais de 90% da audiência e arrecadam 95% das receitas disponíveis ao setor. Mas a condição de primo pobre dos veículos não comerciais começa a mudar. Teve início nesta terça [8] em Brasília o I Fórum Nacional de TVs Públicas, encontro que reúne as entidades de TVs legislativas, universitárias, educativas e comunitárias, além de integrantes do governo e representantes da sociedade civil.

Como explicaram as autoridades governamentais presentes à abertura do evento, ele é o ápice de um processo iniciado em setembro de 2006 [leia matéria ‘Campo das TVs públicas monta Fórum para fortalecer setor’]. Após a realização de diagnósticos das entidades que compõem o que foi apelidado de campo público e da realização de grupos de trabalho para elaboração de propostas em diversos temas, a reunião aberta agora vai tentar produzir acordos entre os presentes de linhas gerais para a televisão pública no país.

As falas da solenidade de abertura já deram mostra de que o principal assunto do evento deverá ser o formato da rede pública anunciada pelo governo federal. Inicialmente apresentada pelo ministro das comunicações, Hélio Costa, a iniciativa foi deslocada para a responsabilidade do recém-nomeado ministro da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, Franklin Martins.

Em sua fala na cerimônia e em entrevistas, Martins afirmou que o governo já possui algumas definições preliminares sobre como funcionará a nova rede. Ela será comandada por uma cabeça-de-rede do governo federal constituída a partir da fusão das emissoras da Radiobrás com as TVEs do Rio de Janeiro e do Maranhão, todas vinculadas ao Executivo Federal. O seu caráter público deverá ser garantido por uma gestão democrática que a proteja tanto do mercado quanto dos governos.

“A idéia é tirar da mão de qualquer palácio o controle de qualquer decisão”, explicou Franklin Martins. Não estando em nenhum destes dois pólos, o controle seria feito pelo público a partir de um conselho formado por representantes da sociedade civil, que terá papel de orientador, fiscalizador e operativo ao mesmo tempo.

O presidente da Associação Brasileira de Emissoras Públicas, Educativas e Culturais [Abepec], Jorge da Cunha Lima, afirmou que a garantia do caráter público de uma TV só é possível se a mesma for “intelectual e administrativamente independente”. Isso inclui o desafio de impedir que o financiamento seja uma forma da autonomia formal não se concretizar, como ocorre em diversas emissoras educativas que, embora tenham conselhos representativos de gestão, acabam cedendo a pressões dos governos estaduais por serem estes a ter a chave do cofre.

Embora a proposta de financiamento da rede pública não esteja pronta, Franklin Martins adiantou que há acordo em garantir que as receitas venham de diversas fontes para diminuir a dependência das verbas orçamentárias. Entre outras fontes de financiamento estariam, além dos recursos do orçamento, a prestação de serviços, o patrocínio de empresas, doações e verbas de fundos já existentes. Questionado sobre a possibilidade de publicidade na rede, reivindicação apresentada pelas educativas nas discussões iniciais do Fórum, tanto Franklin Martins quanto Gilberto Gil afirmaram não ser uma boa opção pelo risco de desvirtuar a lógica da rede pública.

A busca por recursos tem como motivação principal o objetivo de dotar a rede pública de condições para desenvolver uma programação de qualidade. Para o ministro Gilberto Gil, o conteúdo veiculado na rede deve ter “qualidade estética, mas sem abrir mão da ética”. Na fala do titular da pasta da Cultura e de outros debatedores do primeiro dia do Fórum, se repetiu a defesa de uma TV generalista, que produza e difunda informação, cultura, arte e dramaturgia. O único tipo de conteúdo que ainda divide os presentes é o entretenimento, defendido em uma nova dimensão por uns e relegado à produto exclusivo das TVs comerciais por outros.

Independente dos gêneros e formatos, outro consenso que transpareceu nas exposições é a necessidade da TV pública ser um espaço de divulgação da diversidade brasileira. Na opinião de Gilberto Gil, a melhor forma de cumprir esta finalidade é abrir espaço para a produção independente. “A produção independente atende aos requisitos fundamentais por que ela pode ser coisa mais representativa da diversidade regional e do pensamento. Ela expressa mais livremente o pensamento da sociedade brasileira. Ela é mais democrática, mais barata”, defendeu. As políticas de governo, continuou, devem propiciar não só o acesso à informação e à cultura, mas também aos meios e equipamentos para produzi-los, aproveitando as possibilidades de novas tecnologias como a internet.

Cronograma

Uma das preocupações surgidas é como garantir que esta já velha agenda sobreviva na chegada de novos tempos, mais especificamente na transição da TV analógica para a digital. “Se a TV pública não se estruturar como rede nacional de TV pública pra isso [a chegada da TV digital], terá perdido o ultimo trem”, alertou Franklin Martins. Ele afirmou à imprensa que a idéia do governo é estar com a rede em funcionamento, mesmo que experimental, quando da entrada das primeiras emissoras na transição para o sistema digital, marcado para dezembro deste ano para os veículos da cidade de São Paulo.

Segundo o cronograma apresentado pelo ministro, em até 60 dias o governo espera ter uma proposta mais acabada para enviar um Projeto de Lei ao Congresso em agosto ou setembro. Para que isso aconteça, um dos principais nós que já começa a ser desatado no Fórum é a relação entre o governo federal e as emissoras educativas estaduais existentes. Franklin Martins defendeu como “natural” a liderança do governo para a formação da rede, mas afirmou que ela não se dará de maneira “imperial”. Será, sim, uma construção coletiva.

O presidente da Abepec, Jorge da Cunha Lima, deu um recado sutil, mas certo. “A rede pública não nasce de decreto, mas da convenção dos conteúdos, da soma da capacidade de produzir de cada estado e da relevante transmissão disso em caráter nacional”. As educativas não querem ser coadjuvantes, mas concretizar que seu papel será relevante na construção da rede.

Se conseguir equalizar esta tensão, o governo terá dado um importante passo para a constituição da rede pública. Correndo por fora, as demandas das emissoras legislativas, universitárias e comunitárias ainda continuam nos documentos e nos bastidores. Em meio à força do debate sobre a rede do governo, estes setores terão de correr para colocar suas pautas na Carta de Brasília, documento final do encontro, e não assistirem que o Fórum reservado ao campo público finalize com propostas para apenas uma parte deste.

Fonte: Carta Maior, com Fenajufe

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