As críticas à atuação do Poder Judiciário foram novamente a tônica em mais uma rodada de discussões sobre o tema “Quem controla o Judiciário”, a terceira realizada neste ano, desta vez na sede do SindRede-BH (Sindicato dos Trabalhadores em Educação da Rede Pública Municipal de Belo Horizonte). Tendo mais uma vez o SITRAEMG à frente da iniciativa, a 3ª rodada de discussões sobre o tema contou também com a parceria do próprio SindRede-BH , Sinjus/MG (Sindicato dos Servidores da Justiça de Segunda Instância do Estado de Minas Gerais), Coletivo Margarida Alves e Movimento pela Soberania Popular na Mineração.
Sob a coordenação da advogada Juliana Benício, da assessoria jurídica do SITRAEMG, o evento teve como palestrantes Wagner Ferreira, coordenador geral do Sinjus/MG, que falou sobre atuação decisiva do STF (Supremo Tribunal Federal) em favor da pauta de retirada de direitos do governo Temer; e Karine Carneiro, professora membro do Grupo de Estudos e Pesquisas Socioambientais (GPSA), da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), e a advogada Larissa Pirchiner de Oliveira Vieira, integrante do Movimento pela Soberania Popular na Mineração, da JusDh (Articulação Justiça e Direitos Humanos) e Coletivo Margarida Alves, que abordaram a atuação do Judiciário e Ministério Público em relação às vítimas do rompimento da Barragem de Fundão, da Samarco Mineradora, em Mariana (MG), ocorrida no dia 5 de novembro do ano passado, e aos estragos sociais e ambientais provocados por essa que é considerada a maior tragédia e também o maior crime ambiental da história do Brasil. A rodada também marcou o lançamento do livro intitulado “Antes fosse mais leve a carga”, de múltipla autoria (Bruno Milanez, Luiz Wanderley, Maíra Mansur, Raquel Pinto, Ricardo Gonçalves, Rodrigo Santos e Tádzio Coelho), que traz reflexões sobre o crime da Samarco (joint venture da Vale e BHP Billiton). Também havia sido convidado como palestrante o promotor de justiça Guilherme de Sá Meneghin, da 2ª Promotoria de Mariana, mas ele não pôde comparecer, devido a compromissos de última hora.
O pequeno público presente foi lamentado pelos pouco participantes de um debate sobre um tema tão instigante e rico de informações e reflexões, mas isso gerou outro fator muito positivo, que foi a possibilidade aberta para que cada um pudesse perguntar e expressar suas opiniões e perplexidades diante da constatação da ausência do Judiciário e dos demais órgãos de alguma forma vinculados a esse Poder, que são o Ministério Público e Defensoria Pública, nas questões afetas às camadas historicamente mais desassistidas da sociedade, sobretudo os pobres, negros e mulheres. Confira, a seguir, os destaques das falas dos palestrantes.
Wagner Ferreira
O coordenador geral do Sinjus/MG fez uma crítica em relação à falta de uma atuação mais forte das entidades representativas dos trabalhadores e dos movimentos sociais no Supremo Tribunal Federal, ao contrário do que ocorre em relação ao Congresso Nacional. E essa falha, segundo ele, tem contribuído para que o STF acabe aprovando minirreformas prejudiciais aos servidores públicos, trabalhadores da iniciativa e a população.
Ele citou algumas decisões deste ano do Supremo nesse sentido: 1) Determinação para que a administração pública faça o corte de ponto de servidores por participação em greves; 2) Possibilidade de entidades privadas conhecidas como organizações sociais prestarem serviços públicos nas áreas de ensino, pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico, meio ambiente, cultura e saúde – “é a terceirização no serviço público”, afirmou Wagner Ferreira; 3) Fim da ultratividade de normas de acordos e de convenções coletivas na iniciativa privada – a ultratividade é o dispositivo da súmula do TST que indica a ratificação automática da convenção coletiva do ano anterior nas empresas caso patrões e empregados não cheguem a um acordo quanto às alterações pretendidas no ano em curso, mas, com sua suspensão, as negociações entre patrões e empregados poderão começar do “zero” todo ano, o que significa a fragilização do poder de barganha da parte mais fraca nessa relação, que são os trabalhadores; 4) Fim da possibilidade de desaposentação, ou seja, de uma pessoa aposentada que continua a trabalhar receber pensões maiores com base nas novas contribuições à previdência pública; 4) Declaração da inconstitucionalidade das normas que previam prazo prescricional de 30 anos para ações relativas a valores não depositados no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), restringindo-o para apenas cinco anos, mesmo tempo-limite estabelecido para reclamações judiciais das demais causas trabalhistas.
Segundo o palestrante, o que se vê é o Congresso e o Supremo se revezando na aprovação de medidas contra os trabalhadores para atenderem a uma agenda imposta pela CNI (Confederação Nacional da Indústria). “Os tempos exigem que criemos uma agenda nacional envolvendo os sindicatos e centrais sindicais no STF para revertermos essa situação”, conclamou.
Karine Carneiro
A professora membro da UFOP fez um balanço de um ano da passagem do rompimento da barragem da Samarco, em Mariana, mostrando que se confirma, também nesse caso, a atuação elitista do Poder Judiciário com o quase total abandono da Justiça às vítimas da tragédia – de Mariana ao litoral do Espírito Santo, já que a lama tóxica oriunda da mineradora foi carreada rio abaixo através do rio Doce e afluentes.
A palestrante apresentou as seguintes constatações do grupo de pesquisa que integra em relação à atuação do judiciário no caso de Mariana: a neutralidade da justiça é um mito, até mesmo por sustentar um corpo de magistrados de perfil masculino, cor branca e oriundos de classes mais abastadas, o que indicou a ausência quase total desse poder em relação às demandas das vítimas da tragédia, cuja maioria é de pobres, negros e mulheres; o sistema judiciário não é necessariamente justo, pois as camadas sociais atingidas pela tragédia continuam até hoje desassistidas; o poder público é um dos maiores violadores dos direitos humanos, e, no caso da tragédia ambiental e social de Mariana, buscou-se resolver as questões apenas do ponto de vista dos órgãos oficiais, relegando os atingidos à condição de meros “ratos de laboratório”, desrespeitando os diversos aspectos que os envolvem com a região que habitam, como a própria relação afetiva com rio Doce; o judiciário é lento e ineficaz, pois, mais de um ano depois da tragédia, até mesmo as medidas emergenciais foram implementadas apenas em parte, e os responsáveis pelo crime ambiental não são punidos.
Para que essa inoperância ou parcialidade não continue acontecendo, defendeu a palestrante, é preciso que se inicie um processo de democratização do Judiciário, ampliando-se, na magistratura, a representação das camadas menos assistidas da sociedade, para possibilitar a aproximação entre o Poder e estas.
Larissa Pirchiner
A advogada ressaltou que o desastre e crime ambiental ocorrido em Mariana é consequência do modelo retrógrado de exploração da mineração no Brasil. As mineradoras são instaladas sem qualquer respeito às normas de segurança, tanto para as populações quanto para o meio ambiente, e o resultado são as tragédias, que vão se sucedendo sem as punições devidas. “Não foi a primeira nem será a última”, disse, salientando é preciso se pensar em uma mudança do atual modelo de desenvolvimento, por outro que leve em consideração não somente o aspecto econômico dos empreendimentos, mas também os ambientais e humanos. Para que isso aconteça, sugeriu, a sociedade tem que ser ouvida e esclarecida, no caso das mineradoras, sobre questões como para onde está indo o minério aqui extraído, quais são as contrapartidas para o País e a população, dentre outras. “Se não mudar o modelo, não tem como evitar um desastre como esse (de Mariana)”, constatou.
Ainda de acordo com a palestrante, o Judiciário não segue somente as pautas da CNI, mas também das mineradoras. Exemplo disso, citou, foi a realização do 1º Congresso Mineiro sobre Exploração Minerária, em Belo Horizonte, em junho de 2015, por iniciativa da Amagis (Associação dos Magistrados Mineiros), com a preocupação por uma abordagem voltada apenas para o sucesso econômico dos empreendimentos em mineração.
“Quem são as vítimas desse modelo?”, indagou-se Larissa Pirchiner, respondendo: foram as mais de um milhão de pessoas que ficaram sem água, sendo a maioria delas de pobres, negros e mulheres. Ela também apresentou a constatação de um dado estarrecedor: o percentual desses segmentos das margens do rio Doce e afluentes cresce à medida que residam próximos da mineradora atingida pelo desastre ambiental, evidenciando a estratégia de procurarem desses empreendimentos se assentarem em regiões em que terão menores resistência e possibilidades de gastos em indenizações ou reparações em caso de tragédias. Outra constatação: os seis estados detentores do maior número de empreendimentos minerários (entre eles Minas Gerais) são os que apresentam os maiores índices de violência contra a mulher.
Para a advogada, também o Ministério Público pode ser apontada como responsável pela tragédia da Samarco, por não ter atuado de forma preventiva em relação ao empreendimento, fiscalizando e exigindo que seguisse as normas ambientais estabelecidas. A própria Defensoria Pública, até mesmo pelo pequeno número de defensores, esteve ausente quase o tempo todo desse processo.
Ao participar dos debates, Juliana Benício incluiu o Ministério Público do Trabalho entre as instituições públicas ausentes nesse processo. O órgão, relatou a advogada do SITRAEMG, apesar de instado desde novembro de 2015 pelos sindicatos das categorias profissionais vitimadas pelo desastre gerado pela Samarco a ajuizar ação com pedido liminar para garantir a estabilidade no emprego aos trabalhadores ligados ao extrativismo mineral na região de Mariana, interveio firmando um acordo com a mineradora que acabou por impor regulação ao conflito desconsiderando garantias legais existentes em favor do mundo do trabalho. Na opinião dela, deveria ter agido logo que aconteceu o desastre, atuando pela garantia dos empregos aos trabalhadores que são os responsáveis pelo funcionamento do empreendimento.