Polêmica. Esta foi a maior conseqüência do veto do presidente da República à Emenda 3, constante do projeto de Lei 6.272/05.
A emenda propunha que auditores fiscais federais não poderiam apontar vínculos empregatícios entre empregados e patrões, mesmo quando fossem encontradas irregularidades. Apenas a Justiça do Trabalho, de acordo com o texto, é que estaria autorizada a resolver esses casos.
O artigo 6º da Lei 10.593/02, acrescido o parágrafo 4º com a seguinte redação, objeto do veto:
“Parágrafo 4º. No exercício das atribuições da autoridade fiscal de que trata esta lei, a desconsideração da pessoa, ato ou negócio jurídico que implique reconhecimento de relação de trabalho, com ou sem vínculo empregatício, deverá sempre ser precedida de decisão judicial”.
O veto mobilizou protestos favoráveis e contrários de pessoas e entidades de grande representatividade. Entretanto, qual o porquê de tanta controvérsia em torno do veto?
Oxalá a resposta fosso tão simples quanto à pergunta. Com o pleno funcionamento da nova Receita Federal, agora denominada de Super Receita por abraçar a competência previdenciária e manter sua função de fiscalizadora de tributos o veto tem suma importância.
O fiscal da receita, que foi premiado com uma nova alcunha: auditor fiscal, através da Lei 10.593/02, tem a autoridade plena de fiscalizar e verificar a existência de vinculo empregatício, desde que no exercício de sua competência fiscal.
Inicialmente, tal fato não traria tanta estranheza, afinal, o auditor fiscal já detém a competência para fiscalizar uma empresa no que tange a harmonia de sua situação tributária. E na constatação de irregularidade cabe ao titular da empresa o recebimento de um auto de infração.
O problema se inicia com uma análise do mercado de trabalho brasileiro. Muitas empresas optaram pela migração de estratégia na hora da contratação de novos profissionais.
Antigamente, não havia qualquer discussão, para a contratação de um empregado a situação jurídica adequada era o seu registro através de sua carteira profissional. E o salário do contratado se dividia em rendimento bruto e líquido. O primeiro consistia no valor pelo qual havia sido contratado. O segundo já com os devidos descontos previstos pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), com toda a carga de tributos, contribuições e encargos trabalhistas.
Ocorre que as empresas adotaram uma solução alternativa para um pagamento menor de impostos. Baseados em alternativas, ou melhor, na falta de regulamentação específica pela CLT, o contratante arregimenta nova mão-de-obra através da contratação de empresas prestadoras de serviços individuais, ou sociedades simples, ao invés do trabalhador com registro em carteira.
Sendo assim, para trabalhar no mercado atual o indivíduo deve ter uma empresa. Esta pode ser individual, prestadora de serviços, sociedade simples, o que importa é a existência do CNPJ (Cadastro Nacional das Pessoas Jurídicas). E ao ser contratado o será como uma empresa e não como um funcionário comum.
Os benefícios ao empregador são significativos, pois o pagamento de INSS, férias, abono de férias, 13°, salário-família, seguro-saúde, e o FGTS deixam de ser obrigatórios, porque nenhum desses itens é devido a uma pessoa jurídica.
Além disso, caberá ao agora dono de empresa contratado recolher todos os impostos atinentes ao pleno funcionamento de sua modalidade societária, nada tendo o contratante a pagar.
Na prática não existe vínculo de emprego, mas os elementos do artigo 3° da CLT que caracterizam o vínculo empregatício podem facilmente ser identificados: habitualidade, subordinação hierárquica, remuneração e pessoalidade.
Essa terceirização, na prática, é um vínculo de emprego disfarçado. Nada mudou, continua a ser uma relação entre empregado e patrão. Entretanto, existe o maquiamento jurídico para conceder a isenção à parte dominante da relação trabalhista. Além disso, na terceirização a prestação do serviço deve se caracterizar necessariamente como atividade meio e não atividade fim da empresa, o que na grande maioria dos casos não ocorre.
E o trabalhador tem plena consciência disso, mas, se submete às condições impostas, porque do contrário irá integrar a massa do desemprego.
Exatamente neste momento o auditor fiscal pode desconsiderar esta empresa e figurar como vínculo empregatício. Porque ao constatar a existência de subordinação, exclusividade e jornada determinada o vínculo trabalhista será reconhecido e fica configurada a fraude na terceirização.
Com a Emenda 3 esse ato do auditor somente poderia ocorrer mediante autorização judicial. O que impediria a discricionariedade do fiscalizador.
Da forma como está, com o veto, o auditor tem o livre arbítrio de autuar o dono da empresa que possuir uma relação de emprego disfarçada por imposição de seu contratante.
E uma vez mais o empregado será o prejudicado, porque além de não receber os seus benefícios trabalhistas, suprimidos pelo regime societário adotado, ainda terá que arcar com uma multa por não ser empregado!
Tudo isto baseado num critério subjetivo do auditor após a análise dos documentos apresentados e fiscalização dos mesmos. Sendo assim, o auditor pode considerar fraude, autuar, e a empresa que se defenda, mesmo que não tenha se comprovado efetivamente uma irregularidade.
Desde que o a relação tripartida do direito foi inventada tal ato compete à Justiça determinar e não a um auditor.
O auditor não pode ser considerado um juiz e decidir tudo por conta própria. Porque, além de exarar o limite de sua função temos um grande perigo: o da má-fé.
É presumido que todas as pessoas sejam boas. Entretanto, existem sempre algumas que se aproveitam para obter vantagem sobre terceiros. E se uma dessas pessoas, infelizmente, for um auditor e se valer desse poder discricionário para alcançar um benefício financeiro?
A simples ameaça de multa infracional pode incentivar o dono de empresa a perda de seu emprego. Ciente disso o fiscalizador pode ofertar um caminho alternativo e tudo seguirá inalterado. Quando, na verdade, não se comprovou fraude alguma.
O veto à Emenda 3 representa mais uma ameaça aos empregados que se vêem sempre a mercê da vontade daqueles que possuem o poder. Estranho, porque a Justiça do Trabalho, bem como a CLT, foram criadas justamente para defenderem os direitos do hipossuficiente. Será que esquecemos disso?
Fonte: Última Instância