Com o distanciamento social imposto pela pandemia a partir de março do ano passado, a belo-horizontina Roberta de Oliveira foi mais uma entre milhões de brasileiros que tiveram que se isolar em casa para evitar o contato com o novo coronavírus. Chef de cozinha, ela ficou impossibilitada de continuar dando suas aulas de culinária.
A situação inusitada, no entanto, não a deixou imobilizada. Aos poucos, Roberta foi se dando conta de que a condição de ficar em casa, sem trabalhar, era ainda bem mais confortável do que a daquelas milhares de pessoas sem teto que teriam que permanecer nas ruas da cidade e, a partir de então, ainda mais esquecidas em razão do medo de quem ainda as assistiam de se aproximar e se infectarem com o vírus.
Ali começou a ser gestado o projeto “Rua que nos salva”. Contando com a ajuda de amigos e exercitando o que mais gosta e sabe fazer, que é cozinhar, Roberta passou a fazer comida e distribuir para algumas pessoas que vivem em situação de rua. Inicialmente, eram entregues 50 marmitex. O tempo foi passando e a iniciativa foi ganhando novos colaboradores. Atualmente, cerca de 700 marmitex são distribuídos, todos os sábados, em alguns dos muitos pontos de concentração desse segmento populacional na capital mineira.
Com seus próprios carros, Roberta de Oliveira, familiares e amigos de jornada saem entregando a comida pela cidade, iniciando pela rua Itambé e abrigo da prefeitura, no bairro Floresta, rua Itapecerica (Lagoinha), início da rua Mato Grosso (sob o elevado Castelo Branco), Praça da Estação, até a Rodoviária. Sobre a tampa da comida ainda é ofertada uma mensagem de conforto e carinho. Além disso, são distribuídos roupas, artigos de higiene pessoal e, agora no frio, agasalhos e cobertores.
Mais um “anjo da guarda”
Quem conta toda essa história é a filiada do Sitraemg Liliana Nery. Oficiala de justiça da Justiça Federal em Belo Horizonte e bastante conhecedora das ruas, pelas próprias condições que a atividade profissional lhe oferece, Liliana diz que sempre ficou incomodada em ver as pessoas abandonadas, sem onde morar. Católica e frequentadora da Igreja Bom Jesus do Vale, no bairro Vale do Sereno, em Nova Lima, ela sempre ajudou nas campanhas de solidariedade desenvolvidas pela paróquia. Soube do projeto “Rua que nos salva” através do pároco local, padre Alexandre Fernandes, sensibilizou-se com a iniciativa, aderiu à causa e também começou a colaborar.
Liliana atua no projeto (veja galeria de fotos, ao final) em três frentes: divulgando-o, recebendo donativos e participando da distribuição da comida, roupas, agasalhos e demais materiais aos necessitados. A comida, esclarece a servidora, continua sendo feita pela matriarca do projeto, Roberta de Oliveira, com o auxílio de seus familiares, em seu próprio apartamento, no Vale do Sereno. Um pouco de todo esse trabalho pode ser conhecido no perfil de Liliana no Instagram: https://www.instagram.com/liliananery/
Ignorados, mas receptivos
“A gente tem que ter um olhar misericordioso para com o próximo. Eles (os moradores de rua) não são invisíveis. São seres humanos”, comenta a oficiala de justiça, emocionada, ao se referir à população de rua. De acordo com o censo municipal, em janeiro do ano passado, havia 4,6 mil pessoas nessas condições em Belo Horizonte. Na mesma época, segundo o IBGE, o Brasil tinha aproximadamente 11,9 milhões de desempregados. Em junho último, esse número subiu para 14,8 milhões. Imagine, então, quantos belo-horizontinos mais perderam renda e suas casas, e não têm onde morar?
E a servidora lembra que a maiorias das pessoas nessa situação de mendicância não dispõe de documentos pessoais e, por isso, também não teve acesso ao auxílio emergencial, o que aumenta ainda mais o grau de vulnerabilidade social.
Já conhecedora do perfil desse segmento, pelo diálogo que trava com essas pessoas ao longo desse tempo, a servidora informa que muitas delas ainda alimentam a esperança de uma oportunidade no mercado de trabalho. Algumas realizam algum tipo de trabalho, os chamados “bicos”, mas recebendo quantias insuficientes para conseguirem casa e se restabelecer. Outras não suportam as condições desfavoráveis e mergulham ainda mais em processo de degradação, com o uso de álcool e drogas.
Contudo, salienta Liliana, os moradores de rua são bastante receptivos com quem os aborda para ajudar. Não são perigosos, desde que se aproxime deles com respeito. Além de roupas, agasalhos e comida, alguns também pedem remédios e até água para beber.
E você, como pode ajudar?
Tudo isso já dá uma ideia do universo de necessidades desse segmento populacional, e como cada cidadão e cidadã em boas condições de vida pode – e deve – contribuir.
Segundo Liliana, cerca de 90% de pessoas nas ruas são homens. Mas há também mulheres, crianças, obesos, magros etc. Além de calças, camisas, cintos, calçados, vestidos, roupas íntimas (cuecas, calcinhas, soutiens etc), artigos de higiene pessoal (pastas e escovas dentais, sabonetes, champus etc). No momento, além de mais roupas masculinas, a maior urgência, com o frio intenso, é de agasalhos e cobertores. E no quesito ingredientes para a comida, são aceitos quaisquer tipos de alimentos perecíveis. Porém, há também grande necessidade de carnes, que ficaram escassas com a super alta dos preços, e de verduras.
Quem não quiser ter nenhum tipo de trabalho, mas ainda assim se dispuser a contribuir, pode fazer doações em dinheiro, através de transferência bancária para a conta do projeto.
Pontos de entrega de donativos e conta para doações em dinheiro
- Na Igreja Bom Jesus do Vale: Avenida Dimas Henrique de Freitas, 378, Vale do Sereno, Nova Lima (MG)
- Na casa de Liliana: Rua Vinícius de Morais, 59, bairro Luxemburgo
- Na Ceman da Justiça Federal, avenida Álvares Cabral, 1805, bairro Santo Agostinho
- Escritório da Rita: Rua Espírito Santo, 2.727, cj 1009, Lourdes
- Casa da Roberta: Rua da Mata, 80, apto. 2301B, Vale do Sereno, Nova Lima
- Doações em dinheiro: PIX, pelo CPF 001.236.616-89
Mais informações também no perfil https://www.instagram.com/ruaquenossalva/
Confira a galeria de fotos da atuação do projeto: