Trabalho, adoecimento e solidariedade

Por Arthur Lobato, psicólogo, coordenador técnico do Departamento de Saúde do Trabalhador e Combate ao Assédio Moral (DSTCAM) do Sitraemg
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Trabalho, adoecimento e solidariedade

Nos últimos anos, foram relatados ao DSTCAM-SITRAEMG uma série de transtornos emocionais e mentais em servidores e servidoras que trabalham nos Tribunais Federais de Minas Gerais. Na maioria dos casos, o sofrimento e o adoecimento estão relacionados a uma nova organização do trabalho no judiciário no século XXI, que requer uma adaptação rápida do trabalhador aos impactos da tecnologia nos ambientes de trabalho e ao modelo de gestão produtivista baseado na política de metas e produtividade, implementado nos tribunais após a instalação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2005.

Além dos relatos do sofrimento e adoecimento relacionados ao trabalho, constatamos que muitos casos ultrapassam as questões psicossociais e de relacionamento interpessoal no trabalho. Para a equipe multidisciplinar do DSTCAM, composta por coordenadores do Sitraemg, profissionais da psicologia e do direito, a maioria dos casos graves de sofrimento e adoecimento de servidores e servidoras relatados ao sindicato estão relacionadas ao assédio moral no trabalho.

É sempre bom lembrar o conceito de assédio moral estudado e analisado pela Dra. Margarida Barreto, referência mundial na conceitualização científica e no enfrentamento sindical ao assédio moral, juntamente com o professor Roberto Heloani.

“Assédio moral é uma conduta abusiva, intencional, frequente e repetida, que ocorre no meio ambiente laboral, cuja causalidade se relaciona com as formas de organizar o trabalho e a cultura organizacional, que visa humilhar e desqualificar um indivíduo ou um grupo, degradando as suas condições de trabalho, atingindo a sua dignidade e colocando em risco a sua integridade pessoal e profissional.” (Barreto, Heloani, 2018)

Para esses autores, todo assédio moral é organizacional. O assédio moral, o esgotamento por excesso de trabalho, a sensação de que, por mais que se trabalhe, sempre será exigido mais, a falta de reconhecimento e apoio institucional são as principais queixas. Estes sofrimentos e adoecimentos podem ser os efeitos danosos do assédio moral, da política verticalizada do “Judiciário 4.0” e de políticas implementadas através de resoluções monocráticas.

Vivemos em um mundo de constantes transformações envolvendo novas tecnologias e programas de computador implementados no judiciário sem debate com a categoria, sindicatos de trabalhadores e associações de magistrados. Além disso, temos hoje várias modalidades de trabalho no mundo virtual (trabalho a distância da instituição ou empresa), processo acelerado pela necessidade de se trabalhar de forma remota na pandemia de Covid, com a criação de plataformas e aplicativos que facilitaram o home office, o teletrabalho, mas que requer uma excelente conexão com a internet, o que não acontece em muitas cidades de Minas Gerais. Este é mais um dos fatores que dificultam e atrasam o trabalho e a produtividade.

As alterações no modo de se trabalhar e as constantes mudanças tecnológicas fazem com que a tecnologia gere uma nova organização do trabalho e novos processos cognitivos na relação humana com a máquina neste mundo do trabalho no século XXI, seja na iniciativa privada ou no serviço público. Também devem ser analisados e debatidos os impactos na saúde com a aceleração do ritmo de trabalho nos tribunais, o aumento da carga de trabalho em virtude da transformação do processo físico em processo eletrônico. E isso exige novas habilidades no trabalho, novas capacidades gerenciais para se administrar esta nova organização do trabalho que segue um modelo neoliberal produtivista, em que números devem ser alcançados, metas constantemente batidas e aumentadas, a qualquer custo, mesmo que este esforço por parte do ser humano tenha como consequência o sofrimento e o adoecimento.

A lei do arcabouço fiscal limita os investimentos no serviço público, assim como o afastamento de servidores, seja por aposentadoria, férias, licença saúde ou gravidez, entre outras situações. Traz, como consequência, um volume cada vez maior de trabalho, para poucos servidores e magistrados (com exceção do TRT-MG, devido à reforma trabalhista neoliberal, que diminuiu entrada de novos processos) em relação ao número de processos, pois não há verba para novas contratações ou concursos públicos. A saúde do trabalhador e o combate ao assédio moral é uma pauta político-sindical. Estes são os fatores que consideramos como elementos da precarização das condições de trabalho, como no caso dos tribunais onde faltam servidores e há muito trabalho a ser realizado.

Por isso, no trabalho temos de ser mais solidários, pois o aumento de transtornos mentais e emocionais relacionados ao trabalho cresce cada dia mais, conforme pesquisas do CNJ e do INSS. Ninguém quer adoecer. Portanto, temos que combater o assédio moral, que é a única variável que podemos combater em um mundo do trabalho cada vez mais desfavorável à saúde do trabalhador e da trabalhadora. Contra o individualismo, vamos ser solidários com o colega em sofrimento e pensar no outro como semelhante, apesar das diferenças culturais, etárias, entre outras. Fazemos parte de uma mesma humanidade, e para aqueles idealistas como nós, que acreditam que um mundo melhor é possível, sejamos mais solidários e vamos humanizar nossas relações interpessoais no trabalho, na família e na sociedade.

A saúde do trabalhador é um projeto político. Devemos enfrentar o assédio moral, a precarização, a perda de direitos da classe trabalhadora cada vez mais fragilizada na relação capital/trabalho.

Portanto, vamos ficar unidos, categoria e diretoria do sindicato, nas lutas políticas sindicais, e fortalecer a nossa luta política em prol da saúde do trabalhador: lutar contra a precarização das condições de trabalho, contra o assédio moral, sexual, discriminação e racismo, e principalmente, contra uma política excessivamente desumana, de metas e produtividade que gera sofrimento e adoecimento.

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