Depois de três meses de discussão, sem a participação de entidades representativas dos servidores e dos usuários dos serviços públicos, foi divulgado na quinta-feira, 2 de outubro, o conjunto de propostas de reforma administrativa elaboradas pelo Grupo de Trabalho instituído com essa finalidade pelo presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos/PB).
O documento apresentado pelo coordenador do GT, deputado Pedro Paulo (PSD/RJ), propõe cerca de 70 alterações na legislação alusiva à administração pública. De acordo com o proposto, a reforma se daria em quatro eixos (Estratégia, governança e gestão; Transformação digital; Profissionalização do serviço público; e Extinção dos privilégios) e tramitaria em três modalidades legislativas: uma Proposição de Emenda à Constituição (PEC), um Projeto de Lei Complementar (PLP) e um Projeto de Lei (PL).
Como de praxe, nenhuma proposta de reforma que vem das cúpulas dos poderes é favorável aos trabalhadores e à população. E a sugerida pelo GT da Câmara não é diferente.
A estabilidade, que apesar das críticas dos defensores do Estado Mínimo vem conferindo segurança, lisura e isenção nos serviços prestados pelos órgãos públicos, é seriamente ameaçada na medida em que se abrem as possibilidades da avaliação de desempenho sem a definição de critérios objetivos.
Preocupa, ainda, o acréscimo de avaliações, também subjetivas, sobre a aptidão e o desempenho em programas oficiais de capacitação demonstrados pelos servidores ao longo do estágio probatório e da contratação temporária por até cinco anos.
Entre tantos outros prejuízos para os servidores e os serviços públicos, a reforma ora proposta prevê, ainda, a ampliação dos níveis nas carreiras, com a redução das carreiras mais longas, mas com salários iniciais limitados a 50% do final.
Para dar um “verniz” ao conjunto de propostas, os textos legislativos contêm, também, mudanças que caem no agrado do conjunto da população. Ente elas, o fim das férias de 60 dias, que há anos contemplam apenas os magistrados e membros do Ministério Público, e da aposentadoria compulsória como punição para crimes cometidos por juízes, desembargadores e ministros dos tribunais. Daí esses pontos serem aceitos pelas cúpulas do PJ e do MP, é outra história.
Um fato irônico dessa proposta é que um dos eixos da reforma é o fim dos privilégios. O presidente da Câmara, que apresenta o trabalho elaborado pelo GT, e o coordenador do grupo votaram pela aprovação da PEC da Bandidagem, que foi acolhida pela Câmara, mas, felizmente, rejeitada pelo Senado Federal.
Na avaliação do Sitraemg, o desafio está lançado. A proposta de reforma administrativa anterior, representada pela PEC 32/2020, teve sua tramitação “congelada” na Câmara, em 2021, graças à forte mobilização dos servidores dos três poderes. “Chegou a hora de nós, servidores do Judiciário Federal, nos unirmos aos nossos colegas das outras categorias do funcionalismo público para barrarmos mais essa tentativa de destruição dos nossos direitos e dos serviços oferecidos gratuitamente à população”, convoca o coordenador do Sitraemg David Landau.
O Sitraemg já está analisando o teor do documento. No dia 29 de outubro, em comemoração à Semana do Servidor, a entidade promoverá o primeiro debate sobre a reforma já com base nas mudanças recém-anunciadas (aguarde mais informações).
Alguns pontos da proposta do GT da Câmara
(entre parênteses, os comentários do Sitraemg)
- Estabelecimento de 20 níveis de progressão, e redução das carreiras mais longas. O salário inicial será limitado a 50% do salário final. (Questionamento: e a progressão com base na qualificação profissional?)
- Bônus de resultado para servidores que cumprirem os objetivos e as metas pactuadas no Acordo de Resultados. (Incentiva a competitividade e a consequente possibilidade de perseguições e assédio moral nos locais de trabalho)
- Regulamentação nacional dos agentes temporários, com a possibilidade da contratação extraordinária de até cinco anos. (Prejudica igualmente os quadros funcionais dos órgãos, pois poderá ser aplicada com muito mais frequência do que a ordinariamente prevista e, assim, enfraquecer a estabilidade tal como é regulamentada pela atual legislação, e a população, uma vez que prevê o afastamento do servidor contratado temporiamente exatamente quando já estiver ambientado e qualificado para o serviço público prestado)
- Impacto orçamentário de medidas judiciais, estabelecendo, na Constituição, limites com base em parâmetros e conceitos consagrados na legislação, na doutrina e na jurisprudência. Dentre as medidas, determina que decisões judiciais que estenderem políticas públicas de grande porte para novos beneficiários considerem os impactos orçamentários. (Limita a possibilidade de êxito dos servidores em ações por recuperação de passivos trabalhistas)
- Participação cidadã, em que os serviços públicos poderão ser avaliados digitalmente pelos usuários, sendo essas avaliações utilizadas como parâmetro para melhoria da governança e gestão das políticas públicas, impactando o desenho dos Acordos de Resultados. (Informações subjetivas poderão motivar processos administrativos indevidos contra servidores)
- Fim da progressão exclusivamente por tempo de serviço, com exigência de avaliação de desempenho – adotando como premissa o modelo do SIDEC do Poder Executivo Federal. (Mais uma vez, a possibilidade de avaliação de desempenho por critérios subjetivos)
- Possibilidade de ingresso em níveis mais elevados na carreira, permitindo que o gestor proponha concursos para níveis mais elevados, buscando profissionais com qualificação e expertise necessárias. A alteração fixa uma trava de 5% do quadro para essas excepcionalidade. (Questionamentos: como se daria esse concurso? E como se definiria a inclusão do servidor nesse percentual apto a participar do processo seletivo?)
- Tabela remuneratória unificada, válida para todos os cargos de um ente, do menor ao maior. (Questionamento: como se resolveriam as diferenças – e abismos – entre as tabelas atuais?)
- Estágio probatório como um fortalecimento do processo de avaliação do novo servidor, com estabilidade condicionada à aptidão demonstrada durante o período e programas oficiais de capacitação. (Risco da subjetividade nas avaliações)
- Avaliação de desempenho diferenciada para cargos estratégicos, associada ao alcance das metas institucionais pactuadas no Acordo de Resultados, com possibilidade de recebimento de bônus maiores. (Risco de competitividade e perseguições)
- Fim da concessão de folgas ou licenças para compensar “excesso de trabalho”. (Dúvida: as horas extraordinariamente trabalhadas seriam pagas em pecúnia?)
- As despesas com verbas indenizatórias, com base nas despesas do exercício anterior, corrigidas pela inflação. (Questionamento: e a variações dos gastos com manutenção do veículo e com combustíveis, como é o caso dos oficiais de justiça, por exemplo, como ficariam?)
Assessoria de Comunicação
Sitraemg