Logo depois da solenidade de abertura foi iniciada o painel de conjuntura, que contou com as palestras do economista e professor da Unicamp Plínio de Arruda Sampaio Jr., a economista e integrante do Fórum Nacional contra a Terceirização Marilaine Teixeira, Cacau Pereira da Coordenação Nacional da CSP-Conlutas e José Luiz secretário de relações internacionais da Federação Judicial da Argentina.
Plínio de Arruda Sampaio Jr.
Plínio começou sua intervenção saudando a luta dos servidores do judiciário, na heróica greve que protagonizada no ano passado. Sampaio falou que esta é uma conjuntura complexa e grave, marcada por uma crise política e econômica de grande envergadura. “Vivemos uma situação social cada dia mais difícil, com uma escalada exponencial do desemprego, num país que busca respostas numa narrativa passional, e com perspectivas unilaterais”, por isso o professor propõe que desafio seja identificar as contradições profundas que impulsionam a conjuntura, com uma perspectiva objetiva e clara, a partir do ponto de vista da classe trabalhadora.
Segundo Sampaio, as crises econômicas e políticas são estruturais e reforçam uma a outra. “A crise internacional, chamada outrora de ‘marolinha’, tem se mostrado como um verdadeiro tsunami. A mídia tem apresentado a crise como um reflexo de uma má administração e de pedaladas fiscais, mas isso é uma visão muito limitada da situação.”, para o economista, a crise é reflexo de uma estagnação de longa duração, de um governo neo-liberal iniciado por governo Collor, mantido por FHC, e consolidado pelos governos Lula e Dilma.
Plínio de Arruda defende que a crise política não é exclusividade do PT -muito embora, este partido sofra suas consequencias mais diretamente por estar a frente do governo – mas sim, uma crise do sistema de representação político. “Por traz da crise política está o hermetismo do sistema político e seu distanciamento dos anseios dos trabalhadores. Todos os partidos políticos do sistema estão envolvidos, em maior ou menor grau, nesta crise”, disse.
O professor propõe que existem duas soluções para a crise, e que elas estão diretamente ligados a luta de classes. A primeira delas seria “o programa das jornadas de junho”, que pediam políticas sociais no “Padrão FIFA”. Ou seja, mais estado e mais direitos sociais. Em contraposição, o outro projeto é o projeto do ajuste fiscal, da retirada de direitos, das posições moralistas. Este programa é representado pela FIESP, e é a solução preferida do grande capital e da ordem liberal.
Segundo Sampaio, a segunda opção está sendo aplicada pelos dois lados que hoje disputam o governo. “Mas o que isso significa? O que é o ajuste em curto prazo?”, questionou o professor para responder em seguida: “Privatização, corte dos direitos sociais, e aumento do lucro. E em longo prazo, esse é o projeto de transformar o Brasil em uma feitoria moderna”, afirmou.
Para o professor, essas medidas são formas que o capital financeiro encontrar para reciclar o modelo político e econômico. “Reciclar o modelo econômico é criar novas formas para aumentar o lucro. Já reciclar o modelo político é recompor o padrão de dominação, que tem que ser ainda mais dependente do capital internacional. Além de criminalizar os movimentos e lutas sociais, para impedir a luta do povo, que tende a resistir aos ataques que lhes são proferidos”.
Para Sampaio, a agenda conservadora disputa o ritmo e a intensidade do ajuste. “Os partidos comprometidos com o grande capital se dividem entre o ajuste moderado e o ajuste truculento. Essa é a luta política de quem busca uma solução dentro da ordem liberal”. Em síntese, ele conclui que tais medidas são a busca por soluções para os problemas do povo brasileiro, aumentando os problemas do povo brasileiro.
O primeiro round dessa disputa foi vencido por Dilma (PT), que prometeu que não faria ajuste “nem que a vaca tussa”, mas que aplicou um golpe nos trabalhadores, ao vencer as eleições aplicar um programa contrário ao que prometeu. E agora o outro lado parece vencer o segundo round, com um outro golpe, institucional, e que vem travestido de legalidade com o nome de impeachment.
Plínio de Arruda conclui sua fala a partir da desconstrução de 5 mitos:
- As instituições estão funcionando. “Será que estão? Veja a promiscuidade do público e privado”, Sampeio questiona o fato do poder executivo se mostrar refém do parlamento, que representam o interesse do grande capital. E questiona um judiciário unilateral, que só acusa um lado. E ilustra o exemplo do estado deSão Paulo, onde os Tucanos roubam a mão aberta à 20 anos, e os juízes usam a justiça para fazer política. “Para os amigos, tudo. Para os inimigos a lei”. Segundo ele, o impeachment é todo feito dentro da lei, mas ao mesmo tempo, completamente ilegal. E cita Ayres Britto que afirmou que vivemos uma pausa democrática, concluindo “Se há uma pausa democrática, isso é um golpe”. Contudo, ele não poupa o governo, afirmando que as instituições do estado brasileiro são impermeável aos interesses da classe trabalhadora. “Por traz de Dilma existe uma grande empreiteira, um grande banco e uma grande multinacional, e o mesmo serve para Cunha, Temer, Aécio”.
- Dilma caí porque é vítima de um golpe. “Mentira”, afirmou. “O golpe existe porque a Dilma caiu, e existe uma disputa pra quem assume”. Sampaio aponta que Dilma é vítima dos erros que o PT cometeu durante seus 3 gestões a frente do governo. “O PT associou a governabilidade com o que há de mais corrupto na política brasileira, e os ratos abandonaram o barco assim que ele começou a afundar”. Segundo ele, Dilma caí, sobretudo, porque traiu os movimentos sociais. E por mais que alguns poucos ainda defendam o seu governo, eles sabem que estão derrotados, “todos nós sabemos que esse governo já acabou”.
- Defender o governo Dilma é defender a democracia. Este é o terceiro mito. Nós não temos uma democracia, nossa democracia é fajuta. Defender a revogabilidade de mandatos seria uma pauta ainda mais democrática, e não o contrário. Além disso, arbitrariedades acontecem contra os trabalhadores sempre que lutam, para ilustrar este fato, Sampaio relembra que o governo sansionou a “Lei anti-terrorismo”, que nada mais é que uma criminalização direta aos movimentos sociais.
- Temer é a solução para o país, segundo o professor, este é o maior dos mitos. “O povo votou na Dilma porque não quer ajuste, e a Dilma caiu porque aplicou o ajuste. Temer é a figura que quer aplicar ainda mais ajustes. Mais ajustes não resolvem o problema, aprofundam o problema”, argumentou.
- Existe uma perseguição do PT. “Será que existe mesmo?”. Plínio questiona porque Lula não fez a sua delação premiada. E responde “Se fizesse, cairiam muitos banqueiros, grandes empresários, e empreiteiros. E porque Lula não o faz? Porque faz parte da ordem”, conclui.
Ao final de sua fala, Sampaio propõe que a esquerda saia das linhas binárias,e se posicione com independência em relação aos partidos da ordem. “A esquerda tem que ir para raiz do problema, não há solução para a crise brasileira dentro do modelo liberal. Só as ruas abrem novas perspectivas para o povo brasileiro. A luta institucional é um dado viciado, sempre ganha quem a banca quer que vença”. Por isso, ele defende que se combata o golpe do estelionato eleitoral, mas também se combata o golpe da farsa institucional.
Marilaine Teixeira
A economista inicia sua fala afirmando que o mundo que emerge da crise de 2008, é um mundo mais conservador, mais desigual, mais xenofóbico e sexista. Segundo ela, o nível de desemprego do mundo aumentou exponencialmente nos últimos anos, acentuando a miséria e a fome, mas ao mesmo tempo, em contradição ao aumenta da miséria há também um aumento gigantesco da concentração de riqueza.
Teixeira afirma que o Sistema financeiro tem ficado muito a margem do debate sobre a crise, pois ele não se mostra ao público, contudo é o setor mais beneficiado de todo o processo. “Estes fenômenos não são algo simples de ser entendidos só olhando apenas pro nosso cotidiano”, mas para entender como o sistema financeiro se movimenta politicamente basta olhar para a votação do impeachment, “só naquele fim de semana as bolsas da Petrobrás cresceram 506%. Isso mostra que mesmo não se mostrando, o capital rentista se move o tempo todo nos bastidores”, argumentou.
Segunda a economista, o grande erro do governo foi não enfrentar o capital financeiro. O congelamento da taxa de cambio se mostrou como algo muito positivo pra classe média, que pode comprar e viajar pro exterior, mas que gerou uma grande desindustrialização no Brasil, pois sucateou a industria brasileira. Em consequência disso o Brasil ainda se apresenta como um país de baixos salários, “a média salarial do país é de 1 à 2 salários mínimos. E isso só pode ser revertido com uma mudança de industrialização e tecnologia”. As empresas que vem para o Brasil não trazem tecnologia, mesmo as empresas de celulares que tem fábricas em território nacional só montam o celular aqui, mas importam toda a tecnologia. E fazem isso com um modelo de gestão que quer mais rotatividade dos trabalhadores e cada vez mais terceirização, para diminuir seus custos e aumentar seus gastos.
Texeira ainda fala do problema da dívida pública brasileira, que, apesar de se apresentar com porcentagens menores que dos países desenvolvidos, tem um modelo de dívida muito mais cruel, pois apresenta juros mais altos, com prazos muito mais curtos. “E o que justifica juros tão altos? Em 2005 quando se iniciou uma possibilidade de enfrentamento com o sistema financeiro, reduzindo os juros pela metade, o sistema financeiro entrou em guerra com uma propaganda de que a inflação sairia de controle. Mas isso é um grande mito, pois o único ano que a inflação superou dois dígitos foi em 2015, quando as taxas de juros aumentaram ainda mais”, segundo a economista, criou-se uma fábula de que a taxa de juros está relacionada a inflação para justificar os aumentos excessivos e garantir cada vez mais lucros para especuladores e rentistas do capital financeiro.
E para piorar a situação, a proposta é jogar a crise cada vez mais para as costas dos trabalhadores, com uma proposta de ajuste fiscal aos moldes americanos. A economista conclui sua fala explicando que esse modelo se divide em 3 pontos prineipais.
- Não contratar.
- Não dar reajuste.
- Retirar direitos adquiridos.
E o carro chefe desse ajuste é o PLC 30/15, antigo PL 4330/04, que planeja uma terceirização sem limites, e consegue com um só projeto atingir os 3 pontos supracitados. Marilaine fez então um apelo para que a Fenajufe inclua em seu plano de lutas o combate intransigente ao PLC.
Cacau Pereira
O coordenador da CSP-Conlutas iniciou sua intervenção falando da necessidade de se analisar a conjuntura de forma ampla. Segundo ele, a realidade do nosso país não está desvinculado da realidade da América Latina, nem do resto do mundo. Cacau alerta que as vezes os trabalhadores se voltam tanto para sua própria categoria que não vê a relação dos seus problemas com o restante da classe trabalhadora. A partir dessa pespectiva, Cacau Pereira afirma que a crise que vivemos hoje tem raízes fortes e profundas na crise de 2008, mas também na crise de 2001 da America Latina, que por sua vez é fruto do processo de crise do sistema representativo vivido nos anos 90.
Para o sindicalista, a crise de representação aberta na decada de 90, fez com que ocorressem substituições de governos em toda a America Latina, onde uma série de líderes populares assumiram a direção de seus países. Alguns desses processos foram bem traumáticos, como ocorreu na Argentina, que chegou a derrubar 5 presidentes até que se assumisse o Kirschnerismo. Em outros, como no Brasil, aconteceu como uma redução de danos, “A burguesia brasileira não tinha uma alternativa para substituir FHC. Por isso, o processo de chegada ao poder de Lula aconteceu de forma mais conciliatória que nos casos de Evo Morales, Lugo ou Chavez”, segundo Cacau o PT assume o governo através de um pacto de “conciliação de classes”.
Porém, esse período passou de frentes populares e conciliação de classes parece estar passando. “Há características de um verdadeiro esgotamento de um ciclo político, pois os trabalhadores fizeram sua experiencia com esses governos e perceberam, que apesar de algumas migalhas, e avanços em certos programas sociais, não houve nenhum passo de enfrentamento real com o capital industrial e financeiro internacional, principalmente no Brasil”. Cacau argumenta que essa experiencia frustrada dos trabalhadores com os governos de frente popular tem gerado uma sensação de desesperança. “Essa desesperança faz com que alguns setores rompam de uma vez com o governo, mas também com que, alguns setores, com medo do que pode vir, se agarram desesperadamente ao que sobrou do PT”.
O coordernador da CSP-Conlutas disse que esse medo não é justificável. Segundo ele, os ataques não virão com a chegada de um possível governo Temer ao poder, eles já estão acontecendo. E que os poucos ganhos sociais trazidos pelo PT só se sustentaram em um período de crescimento econômico. Para ilustrar esse fato, Pereira citou o aumento do desemprego em 2015. “Os índices de desemprego do primeiro ano do mandato do governo Dilma já superaram todos os postos de trabalho criados em todo o seu primeiro mandato, é assim que os petistas querem falar do crescimento da mobilidade social?”.
Cacau afirma que os trabalhadores não vão sair em defesa desse governo sobre uma pretensa defesa da democracia e “contra o golpe”, como tem pregado a CUT, porque os trabalhadores não aguentam mais levar tanto golpe deste governo. Mas a alternativa que ascende desse desgaste, e é defendido pela Força Sindical não merece qualquer confiança. Com Cunha e Temer a frente, ela representa os velhos corruptos e o projeto neo-liberal mais escancarado.
Mesmo com cenário pouco animador Cacau afirma que não há razões para desesperanças. “Não acho que a conjuntura seja fácil. Eu sei que vários delegados eleitos veem as bandeiras vermelhas e se questionam se não são iguais ao PT, mas devemos mostrar pra eles que não somos iguais, e não abandonar as nossas cores”.
A subida do governo do PT em 2003, foi marcado por 2 grandes ataques aos trabalhadores, a reforma trabalhista e a reforma da previdência. “Essa segunda fez algo brutal, pois jogou os trabalhadores do serviço público contra os trabalhadores do serviço privado, falando que os servidores eram privilegiados”. Cacau afirma, que se o PT quisesse atacar os privilegiados teríamos que atacar os banqueiros, latifundiários e empreiteiros, etc. “Esses são os privilegiados e não aqueles trabalhadores que conseguiram conquistar um pouco mais de direitos”. Uma das poucas vitórias que tivemos no congresso foi a queda do fator previdenciário. Lula Vetou. E esse ano conseguimos com o “congresso mais reacionário já eleito do país”, a auditoria da dívida. Dilma Vetou. “Será que é esse governo que querem que a gente defenda?”, questionou
O sindicalista ainda se posiciona contrário ao discurso de que há um golpe em curso. “Só se vê problemas com a democracia desse país quando Lula é conduzido coercitivamente. Nossa juventude negra é conduzida coercitivamente todos os dias, isso quando não é assassinada”. Cacau afirma que nunca podemos usar a corrupção de outros para tentar proteger o PT. “Nós não podemos aceitar em hipótese alguma esse tipo de conduta. A bandeira contra a corrupção é uma bandeira dos trabalhadores. Não podemos cair no discurso fácil de que a seletividade da lava-jato descredibiliza todas as suas ações. Vários empreiteiros também foram presos, o próprio Odebrecht está preso, nossa bandeira tem que ser de que prendam todos os corruptos e corruptores, pressionar a justiça para que vá além dos corruptos Petistas e cheguem aos Tucanos também”.
Cacau afirma que os trabalhadores tem que se enfrentar com o governo que está caindo, mas também com a alternativa que se mostra mais fortemente. “O impeachment não resolve o problema de ninguém, vai colocar no lugar um cara que foi eleito com o mesmo programa do governo que está caindo, sem a sua cara de povo e sem o seu apoio social”, inferiu.
“Por isso, acredito que a alternativa seja pressionar para colocar para fora todos eles, construir uma verdadeira greve geral para mostrar a força dos trabalhadores e forçar a saída de todos os corruptos, tanto do congresso, como da presidência, senado e governos. Sabemos que as eleições não resolvem, mas é um direito democrático dar a possibilidade de substituir quem não tem cumprido com as suas promessas. Democracia não é dar um cheque em branco para uma pessoa, pra que ela faça o que ela quer. Quem elegeu tem o direito de substituir”, concluiu.