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Governantes culpam natureza e vítimas pela catástrofe no Rio

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Prefeito acusa natureza; Cabral e Lula culpam ocupações em áreas de risco.

Anoiteceu mais cedo na Cidade Maravilhosa na segunda-feira (5). Os relógios ainda não marcavam 17 horas e os faróis dos automóveis já estavam acesos nas ruas do Rio. “Pai, ainda está de dia, mas é noite aqui no Centro”, avisava, do celular, um filho que já expressava preocupação com as nuvens escuras que tomavam de assalto o céu da cidade aquela altura. Prenúncio da tragédia que, horas mais tarde, faria algumas dezenas de mortos, número que a galope se aproximava da casa dos três dígitos antes mesmo do dia voltar a escurecer nesta terça-feira (6).

A cidade parou nas primeiras horas da noite de segunda e entrou assim na madrugada de terça. Às 3 horas da manhã, um ônibus da linha 415, que liga o Leblon, na Zona Sul, à Usina, na Zona Norte, ainda penava no engarrafamento da rua Dr. Satamini, uma das principais da Tijuca, um dos bairros do norte da cidade mais castigados pelas chuvas. O motorista tentava, em vão, completar a viagem que iniciara algumas horas antes – às 19 horas, o ônibus passara pela Praça XV, no Centro, a menos de dez quilômetros dali, oito horas para um trajeto que, sem trânsito e sem chuva, seria liquidado em 20 minutos. A cena se repetiu por uma infinidade de ruas e avenidas cariocas.

A cidade que dormiu paralisada pela chuva e pelo caos no trânsito – em certas movimentadas ruas carros trafegavam na contramão a fugir de congestionamentos e áreas inundadas – amanheceu assim em boa parte de suas vias nesta terça. Não só por conta do movimento matinal rotineiro das massas dirigindo-se ao trabalho, mas também por reflexo dos que ainda tentavam chegar em casa, egressos do batente da véspera.

A maioria das escolas e faculdades não abriu. A Defesa Civil orientou a população a ficar em casa. Repartições públicas dispensaram funcionários do trabalho. O mesmo fizeram sindicatos e outras organizações. Lojas permaneceram fechadas. Os tribunais Eleitoral, Trabalhista e Federal do Rio suspenderam expedientes e prazos.

No Rio Comprido, um pequeno prédio de três andares no Morro dos Prazeres desabou. “Falam em 30 mortos, não sei se é verdade, mas sei que já resgataram dez corpos”, relatou um morador próximo ao local. Desastres similares se repetiram em diversos pontos da cidade e da região metropolitana.

Niterói, a menos de 15 minutos do Rio, está entre as cidades mais atingidas. Trecho da estrada Fróes, que beira o mar da Baia de Guanabara e fica em área nobre da cidade, desmoronou, arrastando um carro e duas casas de classe média alta. Não havia confirmação sobre vítimas. No Morro do Estado, favela no Centro daquela cidade, três casas desabaram – até o início da noite desta terça, voluntários e bombeiros tentavam resgatar uma mãe e o filho que estariam vivos sob os escombros.

Niterói já contava 41 mortos, a maioria em bairros populares ou favelas, antes que os relógios marcassem o fim da tarde desta terça-feira, uma das mais tristes de sua história. No Rio, já eram mais de 35 os corpos resgatados. Até aquela altura, a contagem estava em 88 vidas pedidas em todo estado, nas contas da Defesa Civil, ou 95, nas do Corpo de Bombeiros – números que ainda não batem, mas convergem para a certeza de que a superação da casa das dezenas é apenas questão de tempo.

Famílias inteiras foram engolidas pela mistura de terra, lama e concreto de áreas que não resistiram e desabaram diante de 12 horas ininterruptas de chuva – que, agora intermitente, ainda persiste.

Na noite e madrugada, a ausência dos serviços públicos urbanos – como guardas, defesa civil, limpeza – chamava a atenção de quem tentava chegar em casa. “Não vi um guarda, nada, durante todo o percurso”, relatou a estudante de direito Mariana Lavinas, passageira que mofou por horas naquela viagem da linha 415, citada no início deste texto.

Diante da catástrofe e ainda em meio à tragédia, autoridades se apressaram em pôr a culpa em terceiros. A natureza e as próprias vítimas foram eleitos os principais vilões. O prefeito Eduardo Paes disse que choveu demais. Constatação óbvia, ignora o fato de a própria prefeitura já ter reconhecido recentemente a inexistência de um plano preventivo para evitar tragédias como essa.

O governador Sérgio Cabral Filho responsabilizou as supostas construções em áreas de risco. O presidente Lula também culpou as ocupações irregulares, seguindo os passos do governador que, recentemente, teria ido às lágrimas por causa da possível perda de R$ 7,5 bilhões de royalties do petróleo, recursos extras recebidos todo ano e que de nada parecem ter servido para evitar os óbitos destes dois dias.

Nenhuma autoridade fez “mea-culpa” sobre o gritante despreparo para evitar e lidar com situações críticas, mas previsíveis, como essa, nas quais chove mais do que o de costume. Preferiram apontar juntos os culpados de sempre.

Por Hélcio Duarte Filho, do Rio de Janeiro
Jornalista do Luta Fenajufe, especial para o SITRAEMG

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