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Frei Leonardo Boff analisa caso Renan

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A bacia de Pilatos

A nação está perplexa e indignada. Na cara da maioria dos políticos e particularmente dos jornalistas que acompanharam o caso do senador Renan Calheiros e sabiam as manobras escusas que usava a partir de seu cargo de presidente do Senado, para se manter no poder,   se estampava decepção e abatimento. Por um voto não foi condenado. E esse voto faltante ficou revelado. Veio de um senador do PT que votou por abstenção. Abster-se é dizer não à cassação. Provavelmente e há claros sinais de que, pelo  menos outra pessoa, a líder do PT no Senado, ou votou a favor de Renan ou se absteve, facilitando a vitória do acusado.

A propósito de falta de decoro por permitir que um lobista pagasse suas contas pessoais referentes ao filho que tivera com sua amante – isso se chamava antigamente de adultério público – descobriram-se muitas outras irregularidades graves, atestadas pela Polícia Federal e pelo jornalismo investigativo da televisão. Esta foi ao local em Alagoas, documentou em som e cores as mentiras e falsas alegações de Calheiros o que comprovava ainda mais sua falta de decoro. Além do mais mentiu aos senadores e sonegou informações e documentos ao conselho de ética.

Aliados do absolvido falaram em vitória da democracia. Que democracia? Esta convencional no Brasil, encurtada e farsesca,  montada em cima de conchavos, do uso do poder público em benefício próprio, infectada de tráfico de influência e de desvio de dinheiros públicos?

O que envergonha os cidadãos é verem senadores, alguns velhos provectos, sem qualquer dignidade, verdadeiros mafiosos do poder, voltarem as costas à sociedade e fazerem-se cegos e surdos ao clamor das ruas. Estão tão enjaulados em seus privilégios na redoma do senado que nem lhes importa o que a mídia e a opinião pública pensa deles.

Mas o que envergonha mesmo é a recaída de membros do PT. São pecadores públicos contumazes. Já haviam antes enviado a ética nem sequer para o limbo mas diretamente para o inferno. Agora repetiram o ato pecaminoso. Por isso são desprezíveis como Pilatos. Este se acovardou diante do povo e condenou Jesus. Mas antes fez um gesto que passou à história como símbolo da pusilanimidade, da covardia e da falta de caráter. Diante do povo lavou as mãos com água. Essa bacia de Pilatos foi ressuscitada no senado. Mas a água não é água. São lágrimas dos indignados, dos cansados de ver injustiças e dos dilacerados diante da contínua impunidade.

A ” onorabile famiglia Calheiros”  tem novos membros em sua máfia. Todos os que se abstiveram ou votaram pela não cassação, podem acrescentar a seus nomes o sobrenome de Calheiros. Como revelou publicamente seu voto, o senador Aloísio Mercadante merece agora ser chamado de Aloísio Mercadante Calheiros. Pelos votos que andou cabalando pelos corredores, a senadora Ideli Salvatti merece que lhe apodemos de Ideli Salvatti Calheiros. Ela fez a figura inversa da mulher do covarde Pilatos que o advertiu com referência à condenação de Jesus: “não te comprometas com este justo pois sofri muito hoje em sonhos por causa dele”. Ela e outros devem estar sofrendo muito, sim, roídos pela má consciência. Esse sofrimento transparece em seus olhos revirados e em seus rostos desfigurados.

O povo não merece ser representado por espíritos menores, faltos de ética, desavergonhados e esquecidos de que são meros delegados do poder popular. Que mostrem a cara, que falem ao povo, que se expliquem porque, diante de tantas provas dos relatórios da comissão de ética e do clamor das ruas, puderam agir de forma tão traiçoeira.

Leonardo Boff, Teólogo da Teologia da Libertação e professor emérito de ética da UERJ

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