“Não somos contra o Processo Judicial Eletrônico (PJe). Em tese, ele veio para agilizar o nosso trabalho. O que defendemos é a normatização do sistema, para evitar o adoecimento do servidor”. Com essa frase, a psicóloga, psicanalista e coordenadora de Relações do Trabalho e Saúde do SITRAEMG, Débora Melo Mansur, iniciou sua palestra sobre “Impacto do PJe na saúde dos servidores”, proferida na tarde desse sábado, 10 de agosto, no segundo e último dia do Encontro Regional Norte de Minas, que o SITRAEMG promoveu no hotel Dubai, em Montes Claros, para os servidores lotados em unidades dos tribunais federais da Região.
Para a palestrante, adotou-se essa máxima de que o Judiciário deve trabalhar em ritmo de empresa privada, o que está totalmente errado, pois a Justiça não deve visar o lucro “econômico”, mas sim o lucro “social”. Essa visão empresarial, em detrimento do social, vem da pressão do sistema financeiro, arquitetada pelo Banco Mundial no famoso Documento 319, em que o organismo internacional defendeu a adoção de políticas voltadas para o controle do Poder Judiciário na América Latina e região do Caribe, visando garantir “segurança jurídica” para a expansão do capital estrangeiro nesses países.
Referência: pesquisa de saúde no Rio Grande do Sul
Na palestra, a coordenadora do Sindicato apresentou e dialogou com os servidores presentes sobre os dados de pesquisa de saúde realizada pelo Sintrajufe/RS junto aos servidores do Poder Judiciário Federal do Rio Grande do Sul, no período de setembro de 2011 a janeiro de 2012. “Os resultados são semelhantes ao que ocorre também nos tribunais federais em Minas. Daí a importância de mostrá-los aos colegas mineiros”, justificou. Ao todo, foram distribuídos 6.273 questionários, com 3.744 sendo respondidos. E os percentuais mais altos de adoecimento ou reclamações foram apontados pelos servidores da Justiça Federal, pioneira entre os tribunais federais naquele estado a implantar o PJe.
De acordo com a pesquisa, a principal atividade causadora do adoecimento dos servidores gaúchos do Judiciário Federal são o PJe, principalmente na Justiça Federal (46,2%) e TRF (26,5%). No item Organização do Trabalho, a grande maioria (58,6%) reclamou do aumento da quantidade de trabalho, com 38,4% informando que levam trabalho para casa nos finais de semana. Atribuem o aumento da quantidade de trabalho, sobretudo, ao aumento do número de processos (55,5%), à ampliação de atribuições/competências (52,7%), complexidade dos processos (21,9%) e metas de produtividade estabelecidas pela administração (20,9%).
A importância das pausas
Explicando que as pausas nos locais de trabalho, de 10 minutos a cada 50 minutos trabalhados, são essenciais para prevenção da saúde do servidor, sobretudo depois da implantação do PJe, Débora Melo Mansur mostrou que a pesquisa do Sintrajufe/RS revelou que a maioria, 51,2% dos servidores, segue essa orientação, e 13,9% disseram que não fazem nenhuma pausa. “A não realização das pausas está diretamente relacionada ao adoecimento dos servidores. Tudo por pressão, por estarem (os servidores) abarrotados de serviço, com prazos a cumprir, e diante de um quadro funcional insuficiente”, comentou Débora.
Quanto ao controle sobre o trabalho, a pesquisa apontou que 53,7% do funcionalismo gaúcho revelaram a sensação permanente de nunca terem tempo suficiente para cumprir todas as tarefas; 47,2%, que são obrigados a trabalhar com rapidez; e 42,7%, que trabalham intensamente. Mais uma vez, também a Justiça Federal foi a primeira colocada nesse quesito. Quanto às relações de trabalho, 51,2% do total de entrevistados disseram que não receberam treinamento/capacitação para realizar suas tarefas, e 10,9%, que não se sentem respeitados pela chefia imediata.
Incômodos diretos do PJe
Na avaliação específica sobre o PJe, a principal queixa dos servidores gaúchos foi de que o motivo para o erro é alternar e copiar dados de outras janelas (67,4% na JF de 1º grau e 64,5% no TRF do RS). Também foi apontado que a possibilidade de cometer erros é maior no eletrônico (63,9% na JF de 1º grau e 66,9% no TRF), e o terceiro maior percentual de reclamação foi de que o motivo maior de erro é o cansaço. Indagados sobre a motivação para o trabalho, em meio a tanta pressão, 73,2% do total de entrevistados responderam que o que o que mais os motiva é a estabilidade; outros 65,2% são motivados pelo salário. O último colocado nesse quesito, com apenas 0,6%, foram as metas estabelecidas pelos tribunais. “Esse é um sinal de que existe alguma coisa errada com as metas”, comentou Débora. E quanto à desmotivação, 45,7% responderam que é a falta de possibilidade de crescimento. “Aí esbarramos na questão da carreira”, pontuou a palestrante. As metas, com 25%, vieram em segundo lugar, outro sinal de rejeição a essa sistemática adotada pelos tribunais. Os servidores também informaram que a principal discriminação que sentem é quando se afastam do trabalho para tratamento de saúde.
Mas os fatores mais preocupantes são os sinais de adoecimento que aparecem no servidor em razão do trabalho com o PJe: nos olhos, dor e ardência, ressecamento, cansaço, embaralhamento e desfoque; nos ossos, dores no pescoço, costas, ombros, braços e pernas. Foram apontados índices bastante altos de distúrbios psíquicos: ansiedade, depressão, síndrome do pânico, estresse e outros. Daí, a necessidade também do uso de remédios pesados, como anti-inflamatórios, antidepressivos, ansiolíticos, além várias formas de tratamento, como sessões de fisioterapia, massoterapia etc. A pesquisa levou à seguinte conclusão dos seus organizadores: “Não é o avanço da idade que mais compromete a saúde, mas o tempo trabalhado, que evidentemente será cada vez maior, e o tipo de trabalho realizado pelos servidores, que será mais homogêneo do ponto de vista da exposição aos fatores críticos para distúrbios de saúde à medida que progride a migração para os processos eletrônicos”.
Busca de soluções em Minas
A coordenadora do SITRAEMG informou que o Sindicato pretende mesclar os dados da pesquisa do Rio Grande do Sul com a que foi feita pelo TRT da 3ª Região para fazer um comparativo e buscar ou sugerir soluções que visem minimizar o índice de adoecimento na Justiça Trabalho, que já implantou o PJe na maioria de suas unidade.