Apesar de reconhecer que o acordo de última hora permitirá a continuidade das negociações para o período Pós-Quioto, movimento socioambientalista brasileiro condena a postura dos EUA e a não inclusão de metas concretas no documento final da conferência.
Maurício Thuswohl – Carta Maior
RIO DE JANEIRO – O resultado da conferência da ONU sobre mudanças climáticas, encerrada no último sábado (15) em Bali (Indonésia), provoca reações contraditórias no movimento socioambientalista brasileiro. Ao mesmo tempo em que reconhecem em suas análises que o acordo obtido de última hora permitirá a continuidade das negociações para a adoção de uma agenda de combate ao aquecimento global a partir de 2012, quando se encerrará a primeira fase do Protocolo de Quioto, alguns dirigentes afirmam que o avanço conseguido em Bali ficou aquém do esperado.
As ONGs criticam a postura de alguns países, sobretudo os Estados Unidos, que só aceitou assinar o documento final da conferência após garantir que nenhuma meta concreta de redução das emissões de gases provocadores do aquecimento da atmosfera seria mencionada no texto. Por outro lado, a inclusão no documento da necessidade de se valorizar a preservação das florestas como forma de controlar e reduzir as emissões foi comemorada pelos ambientalistas.
Recém-chegado de Bali, onde acompanhou de perto a conferência da ONU, o coordenador do Grupo de Trabalho sobre Clima do Fórum Brasileiro de ONGs pelo Meio Ambiente e o Desenvolvimento Sustentável (FBOMS), Rubens Born, admite que o acordo de última hora alimenta esperanças: “A conferência produziu resultados que permitirão aos países, nos próximos dois anos, negociar uma segunda etapa para o Protocolo de Quioto”, diz.
Born, no entanto, critica de forma severa a não inclusão de metas concretas de redução das emissões no documento final da conferência, assim como a interferência do governo de George W. Bush para atrapalhar o bom andamento das negociações: “Acho que o clima político do encontro foi decepcionante, porque tanto a União Européia quanto os países em desenvolvimento, liderados por Brasil, China e Índia, se mostraram mais uma vez reféns dos Estados Unidos e, em parte, do Canadá, países que de maneira declarada boicotaram de todas as formas avanços maiores nas negociações”, diz.
Também coordenador do Instituto Vitae Civilis, Born avalia que “o documento final produzido em Bali tem pontos positivos básicos, como o que inclui a possibilidade de uma negociação sobre mecanismos para reduzir emissões por conta da contenção do desmatamento de florestas”. Ainda assim, ele acha que a conferência ficou longe do desejável: “O mapa do caminho para o Pós-Quioto deveria fazer uma menção explícita a um corte de emissões nos países industrializados da ordem de 25% a 30% com base nos anos noventa. É decepcionante que, no ano em que o IPCC ganhou o Prêmio Nobel da Paz, suas recomendações sejam colocadas numa nota de pé de página somente para atender a vontade do governo Bush”, diz, referindo-se ao Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU.
“Falta o dinheiro”
A inclusão do desmatamento evitado nos cálculos das metas de redução das emissões para o período que se iniciará a partir de 2012 e a participação do Brasil nessa negociação foram bem recebidas pelo coordenador do Greenpeace na Amazônia, Paulo Adario, que também esteve em Bali durante a conferência: “O Brasil deu uma contribuição muito importante para o acordo que incluiu o desmatamento no mapa do caminho de Bali”, disse.
Calejado no acompanhamento de acordos multilaterais nem sempre colocados em prática, Adario considera positiva a inclusão, no documento final da conferência, das referências à necessidade de os países ricos apoiarem financeira e tecnologicamente os países emergentes em seus programa de combate ao desmatamento. O coordenador do Greenpeace, no entanto, faz uma ressalva: “Ainda falta o principal, que são fontes concretas de recursos financeiros em volume suficiente para zerar o desmatamento”.
“Passo histórico”
Para o coordenador do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), Paulo Moutinho, a decisão sobre a inclusão das florestas nos cálculos das metas de redução das emissões “foi um passo histórico” nas negociações sobre mudanças climáticas travadas na ONU: “Até aqui, os termos relativos à floresta _ conservação florestal, estoque da carbono florestal e desmatamento evitado _ nunca haviam sido incluídos nos acordos. A conferência de Bali evidenciou a necessidade de se reconhecer o valor das florestas, pois, mais do que armazenamento de carbono, elas contribuem com uma série de serviços ambientais e ecossistêmicos”.
Em seu sítio na internet, o Instituto Socioambiental (ISA) afirma que a inclusão do desmatamento evitado no mapa do caminho das negociações para o período Pós-Quioto “possibilitará aos países em desenvolvimento contribuir de maneira mais significante para a redução das emissões”. O ISA também elogia a postura do Brasil durante a conferência de Bali: “O Brasil e os outros países em desenvolvimento tiveram, no fim das contas, papel decisivo, porque decidiram assumir compromissos mensuráveis, verificáveis, quantificáveis e demonstráveis, apoiados por recursos financeiros, capacitação e transferência de tecnologia de países desenvolvidos”, diz o texto.
Mercado de carbono
A maneira como se dará o estímulo ao desmatamento evitado foi uma das maiores polêmicas surgidas em Bali. A proposta dos países ricos, prontamente aceita pela maioria dos países em desenvolvimento que são detentores de grandes florestas, é que o desmatamento seja incluído no mercado de créditos de carbono, mecanismo pelo qual os países poluidores “compensam” suas próprias emissões ao pagarem para outros países evitarem emissões ou seqüestrarem carbono. Outra proposta, apresentada pelo Brasil, é que seja criado um fundo internacional através do qual os países ricos, de forma voluntária, deverão contribuir financeiramente para que os países em desenvolvimento preservem suas florestas.
“As duas abordagens ainda terão de ser mais bem equacionadas ao longo dos próximos dois anos”, avalia Rubens Born, para quem a inclusão do tema no mapa do caminho de Bali já é um avanço: “Há três anos, o Brasil não aceitava falar de florestas nas discussões sobre mudanças do clima, mas mudou sua postura e depois apresentou a proposta do fundo internacional no ano passado. Acho positivo que, do ponto de vista formal, haja uma explícita menção à necessidade de se negociar um mecanismo para a redução das emissões decorrente da redução do desmatamento”.
Fonte: Agência Carta Maior