Após oito anos de impunidade do Massacre de Felisburgo, completados no último dia 20, foi realizada uma audiência pública para denunciar a violência no campo e exigir justiça, na Assembléia Legislativa de Minas Gerais.
No massacre, que aconteceu no dia 20 de novembro de 2004, no acampamento Terra Prometida, em Felisburgo, no Vale do Jequitinhonha, cinco trabalhadores foram assassinados e 13 pessoas ficaram feridas, entre elas uma criança de 12 anos, que levou um tiro no olho.
Cerca de 300 pessoas participaram da audiência pública, que teve início as 9 horas. Entre eles, trabalhadores do MST do estado e vítimas do massacre, representantes da Comissão de Direitos Humanos, da CUT (Central Única dos Trabalhadores) de Minas Gerais e representantes de diversos movimentos sociais.
Um grupo de pessoas do comitê também realizou um escracho em frente ao fórum de Contagem, por volta das 11h30, onde acontecia o julgamento do ex-goleiro Bruno, para cobrar da mídia a cobertura do massacre. Como afirmou Silvio Netto, da Direção Estadual do MST, “os trabalhadores vieram até o local para protestar e denunciar a falta de justiça no campo. Queremos garantir alimento saudável e vida mais tranquila aos trabalhadores. para isso precisamos romper o silêncio da imprensa em relação a luta do MST”.
Enquanto o caso de Felisburgo se arrasta impune, sem julgamento há oito anos, o crime do goleiro Bruno, que aconteceu há menos tempo, já está sendo julgado, com ampla cobertura e acompanhamento da imprensa.
Após a audiência pública e o escracho, os manifestantes se dirigiram até Tribunal de Justiça do Estado, onde foi realizada uma intervenção com o Grupo Teatral Ícaros do Vale, com uma peça que retrata a violência no campo.
As ações são parte do início da jornada de lutas que exige justiça ao massacre de Felisburgo e deve ocorrer em vários estados. A Campanha Justiça para Felisburgo está sendo realizada por cerca de 60 entidades, que exigem a condenação do latifundiário e réu confesso, Adriano Chafik, que será julgado no dia 17 de janeiro de 2013, em BH.
O comitê também cobra a indenização e reparação das vítimas do massacre; emissão de posse imediata de uma parte da fazenda, já decretada para fins de reforma agrária e a transferência do restante da área, que é pública, para o assentamento das famílias. E o fim da impunidade no campo.
Audiência
O debate foi iniciado pelo Deputado Estadual Rogério Corrêa, que introduziu o caso aos demais. Em seguida, Maria Gomes dos Santos, vítima do Massacre, deu um depoimento emocionante sobre o crime: “o que aconteceu em Felisburgo é reflexo da política dos coronéis da região. A família de Adriano já havia assassinado outros posseiros na região, antes de cometer o massacre contra os Sem Terra. O método usado pela sua família sempre foi à bala para expulsar famílias de posseiros. E sempre ficou impune.” Ela também afirmou que os acampados na área continuam a receber ameaças do fazendeiro. “Com a proximidade do júri as ameaças contra as famílias também aumentaram. O fazendeiro manda recados dizendo que voltarão ao acampamento matar todos os Sem Terra, caso seja condenado pelo massacre. As famílias ainda correm o risco de ser despejadas da área. E a maioria das famílias que vivem na área estão doentes”, denuncia.
Aton Fon Filho, advogado e integrante do setor de direitos humanos do MST, explicou porque o julgamento demorou todo esse tempo para ser marcado porque a justiça brasileira está organizada para defender os fazendeiros e poderosos. “A demora no processo de desaforamento já é uma forma de retardar o processo de julgamento contra os acusados do crime.”
Ele também ressaltou a importância do Ministério Público ter conseguido transferir o processo da comarca de Felisburgo para o Tribunal de Justiça do estado, já que a família de Chafik é extremamente influente na região. “Com o desaforamento do processo para o tribunal de justiça estadual de BH vencemos uma batalha, mas agora falta a batalha do julgamento pela condenação de Adriano”, afirmou Fon.
Para o deputado estadual do PT, Durval Ângelo, a melhor forma de honrar os trabalhadores que tombaram e ficaram feridos no massacre de Felisburgo é a luta. “É preciso deixar claro para a justiça que não adianta a reintegração de posse, que os sem terra não vão sair da área. O único caminho é fazer a reforma agrária na Terra Prometida”.
Também participaram da audiência o procurador do Ministério Público de Minas Gerais, Afonso Henrique de Miranda, representante da Pastoral da Terra, Alvimar Ribeiro dos Santos, o deputado federal do PT, Padre João, o superintendente regional do Incra de MG, Carlos Calazans e o deputado estadul do PT, Adelmo Leão, que fizeram coro ao afirmar a necessidade da reforma agrária para solucionar o problema da violência no campo.
Outras ações
O MST também se mobilizou em outras regiões do estado, com ações de apoio ao comitê.
Norte de Minas
Mais de 250 trabalhadores e trabalhadoras rurais sem terra, do Acampamento José Bandeira e Novo Paraíso, dos municípios de Pirapora e Jequitaí, trancaram o trevo que liga Pirapora a Montes Claros, Belo Horizonte e Uberlândia. Os manifestantes alternavam entre as pistas liberadas dialogando com os motoristas e panfletando exigindo a condenação do Adriano Chafik. Em seguida foi realizada uma marcha para o centro de Pirapora, onde ocuparam o Banco do Brasil exigindo a transferência da dívida para o INCRA, foram protocolados e enviados a Brasília os documentos pelo gerente do Banco. Por fim marcharam para o Fórum da cidade exigindo a condenação do Assassino de Felisburgo.
Leste de Minas
A região do Vale do Rio Doce realizou um Encontro do Sem Terrinha, no qual as crianças puderam entender significado da violência no campo e a importância da luta. Em solidariedade às vítimas do massacre, cerca de 200 crianças, acompanhadas dos educadores, realizaram um ato em frente ao fórum em Governador Valadares.
Já no município de Tumiritinga foi realizada uma marcha com cerca de 600 pessoas.
Triângulo Mineiro
Apoiadores, estudantes, professores e integrantes do MST realizaram um ato na UFU (Universidade Federal de Uberlândia). A intervenção foi organizada junto a estudantes e professores, que entendem a importância da reforma agrária e do apoio da comunidade acadêmica para cobrar o fim da impunidade no campo.
O Massacre
No dia 20 de novembro de 2004, o latifundiário Adriano Chafik, juntamente com quinze pistoleiros, invadiu o Acampamento Terra Prometida, do MST, na fazenda Nova Alegria, em Felisburgo, assassinando brutalmente cinco trabalhadores sem-terra e ferindo outras 20 pessoas. Entre os feridos estava uma criança de apenas 12 anos, que levou um tiro no olho.
As ameaças começaram a partir do dia 1º de maio de 2002, quando as famílias ocuparam o latifúndio, que é, parcialmente, de terras devolutas ainda não arrecadadas pelo Estado. Inúmeros Boletins de Ocorrência foram registrados na delegacia local, mas nada foi feito por parte da polícia e das autoridades governamentais para proteger as famílias.
Até hoje ninguém recebeu indenização e o decreto, referente à desapropriação da fazenda Nova Alegria assinado pelo então presidente Lula, em 2009, ainda não foi cumprido. As famílias sofrem ameaças e ainda podem ser despejadas, caso não se cumpra o decreto.
Os acampados resistem de forma corajosa, com esperança de que a justiça seja feita e afirmam que irão lutar até conquistar o que lhes é de direito. Nas palavras de Maria Gomes dos Santos, vítima do massacre, “se houver outra reintegração de posse as famílias acampadas na área não vão sair. Preferimos morrer na luta que morrer de fome.”
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Fonte: MST