As palestras a seguir fizeram parte das comemorações da Semana do Servidor, apresentadas no dia 30 de outubro último, no auditório da DRF/BH (Delegacia da Receita Federal), promovidas pelas entidades que compõem a Frente Mineira em Defesa do Serviço Público, atualmente coordenada pela ANFIP-MG – Associação dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil de Minas Gerais.
Poder, autoritarismo e violência, por Arthur Lobato
Em sua apresentação, Arthur Lobato estabeleceu uma relação entre o poder, a violência e o autoritarismo exercidos pelo Estado. “O estado e as instituições exercem muito o poder pela força, não necessariamente física. É aquele caso do ‘eu mando, você obedece’. Autoridade é imanente ao cargo, mas quando ela começa a ser praticada de forma a prejudicar os outros ou por interesse próprio, ela se transforma em autoritarismo, que é uma forma de opressão”, relatou.
De acordo com Lobato, esse autoritarismo institucionalizado atingiu uma morbidez sem precedentes, que promove um adoecimento silencioso, pois a pessoa se sente impotente de tanto vivenciar na instituição o autoritarismo, as humilhações, o assédio moral e o excesso de poder, que deixam enormes marcas emocionais. “O problema é que, quando as pessoas procuram o médico ou psiquiatra, há um desligamento da atividade trabalho com esse adoecer”, alertou.
Arthur Lobato informou que o cenário é pior no serviço público, pois não há estatísticas sobre as condições de trabalho no setor. “O servidor público está adoecendo e se aposentando mais cedo e não existem dados sobre isso. Para intervir, precisamos saber o que está acontecendo com a saúde do servidor, precisamos abrir essa caixa-preta”, sugeriu. Nesse sentido, para ele, é fundamental a atuação das entidades representativas dos servidores, fazendo o controle social que está previsto na Política Nacional de Segurança e Saúde do Trabalhador, de 2011, sobretudo nesse momento em que os servidores de carreira estão sendo alvo dessa política neoliberal do estado mínimo.
A consequência de todo o processo de estresse provocado pelo acúmulo de tarefas e aumento das metas a serem cumpridas, conforme relatado por Lobato em sua análise do adoecimento no trabalho, é o esgotamento profissional e perda da capacidade produtiva, o que agrava ainda mais o problema e tendo como efeito síndromes com o Burn Out – em que um profundo entusiasta do trabalho, de tanto usar a energia, não consegue mais desempenhar suas funções – e o Presenteísmo – em que o trabalhador não acredita que está doente, mesmo tendo sido atestado por um médico.
Por outro lado, o assédio moral é um fenômeno que vai causar o adoecimento no trabalho, feito de forma sutil, sem que se possa provar facilmente e não deixando rastro. “Temos que ficar atentos ao assédio moral, pois ele é invisível. Somente com conhecimento e solidariedade entre colegas é que se pode dar visibilidade a ele”, alertou Lobato.
Por fim, Arthur Lobato indicou que o assédio moral deve ser colocado na pauta política e destacou que as entidades devem buscar a regulamentação da LC 116/2011, de acordo com cada categoria, para criarem as comissões paritárias e definirem os mecanismos de combate à mazela.
A lógica perversa da nova forma de organização do trabalho, por Roberto Heloani
Em sua exposição, Roberto Heloani desenvolveu o raciocínio ressaltando o caráter coletivo do assédio moral, que se caracteriza mais por um problema de gestão e não, simplesmente, por um destempero de um chefe ou desentendimento entre colegas. Ele afirmou que casos verdadeiramente psicopatológicos são raros. “Não podemos vulgarizar isso. O que existe é uma forma de organizar o trabalho que muitas vezes nos induz a encarar o outro como coisa e não como ser humano. O que existe são metas quase impossíveis de serem cumpridas e que fazem com que o gestor reproduza a própria pressão que existe sobre ele”, pontuou. Ele ainda ressaltou que essa percepção tem que ficar clara, senão o assédio moral se torna etéreo. “O assédio é uma nova forma de se instituir o chicote, substituindo o capataz explícito por metas absurdas em um sistema de alta vigilância, que desune a todos nós”, argumentou.
E o problema, segundo ele, é que o servidor público não pode ser, simplesmente, um cumpridor de metas, pois deve zelar, primordialmente, pelo bom atendimento ao público.
Heloani afirmou que, quando se fala em servidor público, deve-se ter em mente que ele é um funcionário, embora seja um termo que a alta administração busca evitar, preferindo servidor ou colaborador, pois o colaborador pode ser dispensado a qualquer momento.
Segundo o professor, o princípio do funcionalismo remete ao Direito Romano, que tem mais de dois mil anos. “Funcionário público exerce uma função pública, em que tem responsabilidades, mas também direitos. Você não pode ser dispensado porque, simplesmente, o chefe não vai com a sua cara, ou ser punido sem que haja uma comprovação de culpa”, afirmou Heloani.
Ele também criticou o modelo que tem por objetivo o estado mínimo estabelecido nos países capitalistas na década de 80, em que há uma mudança no caráter do capital, deixando-se de investir na produção propriamente dita e passando a se investir no capital financeiro, especulativo. “É a ‘financeirização’ da economia, que exige um Estado enxuto e um funcionário dócil. Nesse cenário, o Estado deve funcionar segundo a lógica do mercado. Isso justifica a campanha do Collor naquela época, mostrando os funcionários públicos com altos salários, enquanto a população não tinha serviço público de qualidade”, lamentou.
Roberto Heloani reforçou que esse modelo é gerencialista e se preocupa mais com a quantidade do que com a qualidade. “Nele, saúde pouco importa, pois o funcionário é substituível. Isto vem do projeto internacional de capital financeiro, em que o Estado é gerido segundo a lógica de uma empresa privada”, elucidou Heloani.
Dentro dessa perspectiva do excesso de trabalho, Heloani criticou as novas tecnologias, como o aparelho celular, que permite com que as pessoas não se desconectem. “Pelo celular, você pode ser encontrado em qualquer hora e lugar e quem te procura não faz isso por maldade. É porque as pessoas já perderam até o bom senso. Com isso, a CLT e os estatutos estão sendo rasgados e jogados no lixo. Se não houver o anteparo do direito, essas tecnologias entram na vida privada das pessoas de forma brutal, fazendo com que elas trabalhem sem descanso. E é isso que faz com que elas enlouqueçam”, analisou.
Por fim, Heloani afirmou que a boa administração é aquela que permite que o funcionário trabalhe séria e arduamente, mas com decência e dignidade, sem que o trabalho o adoeça ou divida o grupo ou classe, inclusive social, e sem que o estresse do trabalho atinja sua família. Ele ainda apontou o caminho para se reverter a lógica que se impõe. “Precisamos fazer justamente aquilo que ela não quer que façamos: unirmo-nos e nos politizarmos. E também não tratar o colega como indivíduo que está contra nós, mas sim como indivíduo que está submetido às mesmas regras, metas e patologias”, finalizou.
Fonte: Anfip-MG