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Artigo: Judiciário não pode ser tratado como órgão do Executivo

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Leia, a seguir, a íntegra do artigo publicado ontem (segunda-feira, 23) no site Consultor Jurídico. O texto comenta a postura subserviente das sucessivas administrações do STF perante o Poder Executivo. Isso é fruto da arcaica sistemática de acesso aos cargos de ministros do Supremo, cuja indicação é feita pelo Palácio do Planalto. Com o advento da reeleição para o cargo de presidente da República, ficou ainda mais fácil esse controle do governo sobre o Judiciário. Ainda mais quando um governante consegue eleger seu sucessor, como foi o caso da transferência de poder de Lula para Dilma. Como vemos, dos atuais 11 ministros do STF, oito foram nomeados pelos dois presidentes petistas. Nesse cenário, fica óbvio que os servidores do Judiciário Federal não podem ficar esperando apoio de ministros pela aprovação do PCS. Tal apoio não passa de falácia. Que a categoria não se engane: o PL 6613/09 só será aprovado com MOBILIZAÇÃO E LUTA.

 “Judiciário não pode ser tratado como órgão do Executivo

Por Márcio Chaer *

A presidente Dilma Roussef recebeu, nesta segunda-feira (23/7), o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Ayres Britto. Não se divulgou o teor da conversa, mas não é difícil saber o que o presidente do STF tinha para dizer, no momento em que o governo insiste no congelamento dos salários da Justiça. O Judiciário tem sido tratado, historicamente, como um órgão do Poder Executivo. Ou seja, a autonomia financeira e administrativa dos poderes é uma ficção.

Em vez de encaminhar diretamente ao Congresso sua proposta orçamentária, o presidente do STF deve enviá-la ao Palácio do Planalto para ser consolidada na proposta global. Já houve casos de corte puro e simples já nessa fase, e de recomendação ao Congresso para os cortes. No Parlamento, onde o governo é maioria e a ordem da Presidência costuma ser obedecida. A proposta é votada — e, depois de aprovada, pode ser vetada. O Judiciário é tratado como uma criança que pode ficar sem a mesada se não se comportar direito.

Ayres Britto é compreensivo e não culpa os atuais governantes. Assegura que esse relacionamento foi calcificado ao longo de séculos e virou cultura. Nesse processo, o Orçamento da União confundiu-se, equivocadamente, com o orçamento do Executivo. Na reunião com presidentes de Tribunais de Justiça, Britto citou o verso de Carlos Drummond de Andrade para ilustrar uma situação em que “cai a Corte, mas não caem os cortesãos”.

O governo federal tem lá seus motivos para controlar a vastidão de uma folha de pagamento infinita — principalmente quando se fala do Executivo e do Legislativo, as duas faces do Poder cuja elasticidade das remunerações permite contorcionismos que o Judiciário não alcança (ao menos não legitimamente). Mas a magistratura e os servidores da Justiça têm também bons motivos para exigir reconhecimento que não se vê.

A Justiça brasileira mudou mais nos últimos 20 anos que durante toda a sua história, atesta a cientista social Maria Tereza Sadek. E mudou mesmo. Principalmente depois da célebre CPI do Judiciário, da forte pressão feita até na forma de “operações da PF”, e da criação do Conselho Nacional da Justiça. Paralelamente a esse processo, viu-se outro fenômeno. A Constituição de 1988, seguida de novas leis e códigos, jogou no colo da magistratura questões nunca antes judicializadas. A taxa de um processo para cada habitante (considerando-se duas partes por processo) mostra que a população reconhece legitimidade ao sistema.

O ministro Gilmar Mendes tem tese que pode ser conferida: a reforma aperfeiçoadora do Judiciário deflagra um círculo vicioso em que o novo sistema judicial afeta os demais poderes e a sociedade em geral. Se o Judiciário é mais célere e eficaz, o sistema reduz a impunidade, acaba com o abuso de ações indevidas, a procrastinação. Sem calotes, aumenta a segurança dos negócios o que, evidentemente, turbina o desenvolvimento. Com todo respeito ao salário de 20 mil reais do motorista do Senado, o papel do juiz à luz do interesse público é mais significativo.

Logo, pode dizer o presidente do STF, a questão é substantiva. O Judiciário nunca trabalhou tanto nem viveu tantos riscos, nunca foi tão fiscalizado e, ao mesmo tempo, tão castigado. A responsabilidade aumentou quando se abriram as comportas das demandas represadas. Enquanto isso, as vantagens conhecidas na iniciativa privada como fringe benefits (benefícios suplementares) foram suprimidas. A ponto de hoje a magistratura sonhar com os ganhos que têm os integrantes do Ministério Público.

O processo de “desprofissionalização” do Judiciário, expressão cunhada por Ayres Britto, é uma realidade. Sem predicados que atraiam os bacharéis e servidores mais qualificados, o serviço judiciário não fará frente ao que dele se espera. Evidente. Quatro anos sem reajustes, os juízes; sete anos na geladeira, os servidores — em contas projetadas para 2013, a tesoura do Planalto preocupa a advocacia. “A pior coisa para o jurisdicionado é o seu processo estar nas mãos de um juiz que está penando para fechar o mês”, define o advogado Arnaldo Malheiros Filho.

Sem contar, é claro, que o maior responsável pela carga de trabalho desmesurada e desproporcional da Justiça é o próprio Poder Executivo (seja em nível municipal, estadual ou federal). Os atuais governantes não são criadores dessa aberração, claro. São apenas cúmplices. Sobre a contribuição do Judiciário à tão decantada “governabilidade”, há algo a se dizer. No capítulo da responsabilidade fiscal, o STF ofereceu ao governante todo o ferramental para equilibrar as contas públicas. O mesmo tribunal não deixou passar a menor desobediência ao teto salarial do funcionalismo, em seu próprio desfavor. A lei de greve do funcionalismo, que Legislativo e Executivo não tiveram coragem até hoje de regulamentar, teve suas regras de contenção fixadas pelo Supremo.

Como ocorre com as audiências no gabinete da presidente da República, é sempre difícil saber o teor da conversa. Mas nos próximos dias se saberá se Ayres Britto, ao final de seu mandato, poderá dizer que a presidente Dilma quebrou um paradigma ou se fará eco às palavras do seu antecessor, Cezar Peluso. Em entrevista a este site, ao comentar o desrespeito à Constituição praticado pelo Planalto, o ministro afirmou que o Poder Executivo no Brasil não é republicano — “é imperial”. Ou seja: faz o que quer.”

* Márcio Chaer é diretor da revista Consultor Jurídico

Fonte: Consultor Jurídico

 

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