Artigo: “A democracia e os cortes ‘pedagógicos’ no orçamento da Justiça do Trabalho”

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Conforme repercutido pelo SITRAEMG em boletim distribuído nos locais de trabalho dos tribunais, para convidar os servidores para o ato dessa quinta-feira, 25, em Belo Horizonte, dentro das atividades do Dia Nacional de Mobilização da categoria, o corte orçamentário promovido pelo governo Dilma – que visa garantir o famigerado “ajuste fiscal” que está sendo adotado para cobrir os rombos nos cofres públicos consequentes das políticas equivocadas do PT e seus aliados e dos esquemas de corrupção que se alastram nos órgãos federais vinculados ao Executivo – atingiu em cheio também o Poder Judiciário. Em razão disso, as administrações dos tribunais tiveram que determinar uma redução bastante significativa em seus gastos, prejudicando não somente os usuários dos serviços da Justiça, mas também os seus servidores, que já convivem com uma defasagem salarial de uma década, sofrerão uma sobrecarga de trabalho ainda maior e ficaram ainda mais sujeitos ao adoecimento.

A propósito desse tema, confira abaixo o artigo de Rubens Goytacá Campante, servidor do TRT em BH, no qual faz uma abordagem acerca das pífias e falsas justificativas dos parlamentares para os cortes pretendidos no orçamento da União, ao longo do processo de discussão da proposta de lei orçamentária no Congresso Nacional:

A democracia e os cortes “pedagógicos” no orçamento da Justiça do Trabalho

Por Rubens Goyatá Campante – Núcleo de Pesquisas da Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região


Os artigos aqui publicados são de inteira responsabilidade do autor, não sendo esta necessariamente a opinião da diretoria do SITRAEMG


“São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário”. O artigo 2º da Constituição da República Federativa do Brasil consagra um lastro do Estado democrático de Direito, a tripartição de poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário mantendo, cada um, sua autonomia e, ao mesmo tempo, colaborando e controlando-se reciprocamente, de modo a evitar a proeminência de qualquer deles.

No caso do Poder Judiciário, sua independência passa pelas garantias dos magistrados e pela autonomia dos Tribunais, administrativa e financeira. Golpeada, esta última, pela lei orçamentária de 2016, especialmente em relação a um ramo específico do Judiciário, a Justiça do Trabalho.

Os constrangimentos fiscais determinados pelo governo federal têm gerado polêmicas entre os que os defendem como inevitáveis e os que sublinham que são políticas impostas pela hegemonia do setor financeiro em detrimento do desenvolvimento econômico e do interesse público. Sem entrar na polêmica, é notório que toda a administração pública tem sofrido restrições orçamentárias, inclusive o Judiciário. Mas enquanto os demais ramos deste Poder amargaram, para este ano, reduções de 15% nas verbas de custeio e 40% nas de investimento, a tesourada na Justiça do Trabalho foi de 24,9% no custeio e 90% no investimento.

O relatório do Orçamento da União afirma que “as regras atuais estimulam a judicialização dos conflitos trabalhistas, na medida em que são extremamente condescendentes com o trabalhador”, e sublinha a necessidade de diminuir a demanda de litígios trabalhistas, afirmando que o cancelamento das dotações seria uma “forma de estimular uma reflexão sobre a necessidade e urgência de tais mudanças”.

Asfixia-se financeiramente a Justiça do Trabalho para fazê-la “refletir” sobre a necessidade de mudanças em sua atuação “protecionista” aos trabalhadores. “Chantagem institucional”, qualificou a Associação Nacional de Magistrados Trabalhistas (Anamatra), que entende que os cortes orçamentários, e, mais ainda, sua justificativa, abrem perigoso precedente de desrespeito à harmonia e independência entre os poderes da República:

“Do mesmo modo como não pode o Executivo, por meio de vetos, p. ex.,  reduzir à metade o orçamento do Congresso Nacional, com o propósito de chamar os senhores parlamentares à ‘reflexão’ sobre determinada temática decidida contra os interesses pessoais da Presidência da República, não poderia o parlamento, com finalidades ‘pedagógicas’, interferir no orçamento do Poder Judiciário (….) A não haver imediata reação (….) em futuro próximo poderá ser a Justiça Eleitoral a figurar na mira de cortes orçamentários de fundo ideológico, por certa jurisprudência não ‘palatável’; ou o próprio Supremo Tribunal Federal, caso suas decisões sejam mal avaliadas por relatores de orçamento com instinto persecutório. Far-se-á tábula rasa dos artigos 2º e 99 e da Constituição da República.”[1]

O trecho acima faz parte da Nota Pública veiculada pela Anamatra após a Associação protocolar no Supremo Tribunal Federal, no dia 03 de fevereiro, Ação Direta de Inconstitucionalidade com pedido de medida cautelar para tornar sem efeito a drástica redução orçamentária. Segundo a Associação,

“Pela primeira vez na história recente do Parlamento brasileiro, a peça orçamentária anual foi explicitamente utilizada como instrumento de retaliação a uma instituição pública; e, mais, como ameaça a um corpo de Magistrados, punindo-os pelo modo como, supostamente, têm interpretado as fontes formais do Direito. Em países mais afeitos aos valores democráticos – como o são a independência judicial e a autonomia dos tribunais – tal relatório (e a lei que dele derivou) não seria, nessa parte, nada menos que escandaloso”[2].

Também o Coleprecor – Colégio de Presidentes e Corregedores dos Tribunais Regionais do Trabalho -, entidade composta pelos presidentes e corregedores de todos os Tribunais do Trabalho do país, manifestou, em nota pública, “indignação”em relação à redução orçamentária, afirmando que ela “impõe ao Judiciário Trabalhista Nacional uma segregação inimaginável e um impraticável orçamento para 2016, representando a total falta de compromisso público do relator do setorial orçamentário do Congresso Nacional”.[3]

O aludido relator-geral do Orçamento da União é o deputado federal Ricardo Barros, do PP do Paraná. Quarto maior partido brasileiro, atrás de PMDB, PT e PSDB, o  PP (Partido Progressista) é oriundo da antiga Arena, legenda de sustentação da ditadura militar. Seu quadro político mais conhecido é o ex-prefeito e ex-governador de São Paulo, Paulo Maluf. Desde a redemocratização, o PP apoia e participa de todos os governos federais, quaisquer que sejam suas tendências políticas. Em março de 2015, o ministro do STF Teori Zavascki aceitou denúncia do Ministério Público e determinou a abertura de inquéritos para investigar 50 políticos que poderiam estar envolvidos com o desvio de verbas na Petrobras, investigados no âmbito da Operação Lava Jato – a maioria, 31 deles, são do PP.

O deputado Ricardo Barros também é investigado no STF, por suposta fraude licitatória. Em gravações telefônicas feitas em 2011 pelo Ministério Público Estadual do Paraná, sob autorização da Justiça, o deputado orienta um funcionário da prefeitura de Maringá (cujo prefeito, à época, era seu irmão Sílvio Barros) a procurar um “acordo” entre duas agências de publicidade que disputavam uma licitação da prefeitura no valor de R$ 7,5 milhões. Barros nega as acusações e pediu ao STF, em outubro passado, o arquivamento do inquérito que investiga a questão. O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, porém, avaliou que ainda há diligências em andamento, cuja conclusão se revela imprescindível para o desfecho do caso, e o ministro Luiz Fux, do STF, seguindo tal parecer, argumentou ser precipitado trancar a ação e negou o pedido do parlamentar paranaense[4].

Como relator do Orçamento, Ricardo Barros propôs, também, um corte de cerca de 10 bilhões na verba do Bolsa-Família, alegando fraudes no programa. A proposta foi negada. Mas em relação ao Fundo Partidário, verba destinada aos partidos políticos, Barros, que é tesoureiro nacional do PP, obteve uma vitória: ele  apresentara uma emenda que elevava a dotação ao Fundo inicialmente prevista na proposta do governo enviada ao Congresso, de 311 para 600 milhões. O valor aprovado foi ainda maior: 819 milhões. A justificativa é que, com o fim do financiamento privado, os políticos necessitarão de mais recursos públicos para suas campanhas eleitorais.

O custo elevado e crescente das campanhas eleitorais é uma das causas das relações nebulosas entre o grande capital, financiador primordial dessas campanhas, e os representantes do povo no Legislativo e no Judiciário. As caríssimas campanhas eleitorais aviltam a democracia, pois fazem com que o que esteja representado nos sistemas políticos seja, em boa medida, o dinheiro, e não a vontade popular. Cria-se uma assimetria aguda de recursos materiais e simbólicos entre as altas esferas da política e do dinheiro, de um lado, e a sociedade, de outro. Dispor as instituições públicas de forma a evitar assimetrias desse tipo foi um dos objetivos de Montesquieu ao defender a tripartição de poderes, sua autonomia e controle recíproco. Montesquieu sabia que o único contraponto efetivo ao poderio de uns é o poderio de outros.

“A liberdade (….) só existe quando não se abusa do poder; mas é uma experiência eterna que o homem que tem poder é tentado a abusar dele; ele irá até onde encontrar limites. (….) Para que não se possa abusar do poder é necessário que, pela disposição das coisas, o poder trave o poder.”[5]

Ameaçar a independência do Judiciário, ou de parte dele, estrangulando-o financeiramente é uma forma de evitar que este cumpra sua função republicana de se contrapor a outras esferas de poder; é, portanto, um atentado contra a democracia e a liberdade.

[1]     ANAMATRA – Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho. “Anamatra ingressa no STF contra cortes no orçamento da Justiça do Trabalho”. Disponível em: http://www.anamatra.org.br/index.php/noticias/anamatra-ingressa-no-stf-contra-cortes-no-orcamento-da-justica-do-trabalho. Acesso em 16 fev. 2016

[2]     ANAMATRA – Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho. “Anamatra ingressa no STF contra cortes no orçamento da Justiça do Trabalho”. Disponível em: http://www.anamatra.org.br/index.php/noticias/anamatra-ingressa-no-stf-contra-cortes-no-orcamento-da-justica-do-trabalho. Acesso em 16 fev. 2016

[3]     COLEPRECOR – Colégio de Presidentes e Corregedores dos Tribunais Regionais do Trabalho. “Nota Pública”. Disponível em: http://as1.trt3.jus.br/noticias/no_noticias.Exibe_Noticia?p_cod_area_noticia=ACS&p_cod_noticia=13658. Acesso em 15 fev. 2016.

[4]     Garcia, Euclides Lucas. “STF mantém aberta investigação contra Ricardo Barros por fraude licitatória”. Disponível em: http://www.gazetadopovo.com.br/vida-publica/stfmantem-aberta-investigacao-contra-ricardo-barros-por-fraude-licitatoria-9bhqlo3i4vlqx15gsgvc4ok39. Acesso em 15 fev. 2016.

[5]             Secondat, Charles-Louis de. (Barão de La Brède e de Montesquieu). O espírito das leis.  São Paulo: Martins Fontes, 2000. p.166-167.

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