“Introdução sobre a Auditoria Cidadã da Dívida Pública” foi o primeiro item da pauta da assembleia geral extraordinária realizada na manhã desse sábado, 19, na sede do SITRAEMG. A exposição sobre o tema foi feita pelo economista Rodrigo Ávila, coordenador nacional da Auditoria Cidadã da Dívida, que falou sobre “Dívida pública brasileira – impacto no seu salário e na sua aposentadoria”, mesmo tema que já abordou em palestras proferidas por ele em vários eventos do Sindicato.
Segundo o palestrante, é pura balela o discurso do governo federal para justificar a defasagem salarial e retirada de direitos – principalmente os previdenciários – dos servidores públicos. Isso acontece, na verdade, para reservar quase metade do orçamento anual da União somente para o pagamento da dívida pública. Em 2013, por exemplo, foram destinados nada menos que 40,30%, ou R$ 718 bilhões, apenas para os juros e amortizações da dívida. Enquanto isso, a Previdência Pública ficou somente com 24,11%, em um país em que o número de idosos aumenta a cada ano. Ao Poder Judiciário, foram destinados míseros 1,35%. Ainda assim, para ser distribuído entre os tribunais e conselhos superiores, além dos tribunais regionais, e como se não bastasse, pulverizado em gastos com pessoal, reforma e construção de prédios e custeio.
Desculpas absurdas
As desculpas do governo são muitas. Uma delas, por exemplo, é de que precisa garantir os compromissos assumidos com a assistência social. Na prática, porém, apenas 3,41% do orçamento é reservado para a área, com o Bolsa Família, o maior do programa social do governo petista, se beneficiando com o equivalente a 1/3 desse percentual. Outra desculpa é de que também tem que sustentar os setores de educação, saúde, transporte, segurança pública e habitação, que, em 2013, ficaram com desprezíveis 3,70%, 4,29%, 0,59%, 0,40% e 0,00%, respectivamente.
“Reduzir os gastos com os salários dos servidores para sustentar o Bolsa Família e as aposentadorias e pensões. Será que é este mesmo o dilema do governo?”, indaga o palestrante, respondendo ele mesmo: “não é verdade!”. E explica: levantamento feito entre 1995 e 2012 mostrou que os gastos da União com pessoal despencaram, em queda livre, em comparação com a receita obtida pelo governo e o PIB (Produto Interno Bruto) do período. “Os gastos com os servidores públicos federais representam uma fatia cada vez menor (do orçamento)” constata Rodrigo Ávila.
Auditoria: única saída
O único caminho para combater o discurso falacioso do governo, aponta o economista, é exigir e lutar para que seja feita uma auditoria da dívida pública brasileira, para avaliar a origem do endividamento do país, quem realmente foi beneficiado e se os valores estão corretos. A determinação para que fosse realizada a auditoria está prevista no artigo 26, das “Disposições Transitórias”, da Constituição Federal. Segundo ele, em 2000, foi organizado um “plebiscito popular” em que mais de seis milhões de pessoas votaram pela realização da auditoria, que até agora não aconteceu. Entre 2002, graças à pressão feita sobre o Congresso, foi aberta a CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da dívida na Câmara. A CPI apontou vários indícios de irregularidades e ilegalidades. A dívida teve início, em sua quase totalidade, durante a ditadura militar, nos anos 1970, a partir de empréstimos contraídos pelos governos da época, a juros flutuantes (o credor define o percentual a ser aplicado); elevou-se assustadoramente, na década de 1980,com o aumento absurdo e ilegal dos próprios juros (de 5% para mais de 20%), para pagar políticos cooptados pelo FMI (Fundo Monetário Internacional) e empréstimos concedidos pelo próprio FMI; dívidas pública e privada (a maior parte) foram assumidas pelo governo nos anos 1990, em uma negociada envolvendo o sistema financeiro e integrantes das equipes de governo a este vinculado. E em 2005, o governo divulgou que quitou de vez a sua dívida externa. Nada disso! Pagou apenas o que devia ao FMI e, ainda por cima, lançando de títulos da dívida no sistema financeiro a juros inferiores a 1%, para pagar, no resgate, juros da Taxa Selic, que hoje estão fixados em 11%.
Para se ter uma ideia do crescimento da dívida, em 1995 ela se encontrava na casa dos R$ 500 bilhões. Em 2013, ultrapassou os 3,5 trilhões. O palestrante atribui esse crescimento ao pagamento de juros cada vez mais altos, pelo governo brasileiro, e, ainda por cima, incidindo juros sobre juros, o que é proibido no país, conforme previsto na Súmula Vinculante 170 do Supremo Tribunal Federal, e a insistência do governo em atender os interesses do sistema financeiro.
Debate
Terminada a palestra, manifestações dos participantes da assembleia. Gerson Appenzeller indagou ao palestrante se o movimento Auditoria Cidadã da Dívida está aberto à participação de sindicalistas. Davi Landau lembrou que problemas do trabalhador como a terceirização, a falta de segurança e e precarização nas relações de trabalho estão entre as muitas consequências do desvio de quase metade do orçamento para o pagamento da dívida, e que os especuladores do sistema financeiro, não satisfeitos em transferirem a dívida dos bancos para o setor público e obterem lucros astronômicos com os juros escorchantes incidentes sobre os papéis da dívida, ainda ganham mais dinheiro, reinvestindo, como depositários das reservas internacionais (em dólares) acumuladas pelo governo. É mais uma maneira de desviar recursos que deveriam estar sendo aplicados na saúde, na educação, nos projetos sociais e em outros setores da sociedade.
Registrando que os filiados José Francisco Rodrigues e Luiz Fernando Gomes Rodrigues participam do Núcleo Mineiro da Auditoria Cidadã da Dívida, coordenador geral Alexandre Magnus pediu que eles incluam mais servidores e sindicalistas no grupo, como sugeriu Appenzeller. “O que podemos fazer de melhor, como cidadãos e servidores, para evitar esses desvios e trazer de volta o orçamento somente para os brasileiros”, indagou ao palestrante.
O coordenador Célio Izidoro propôs a organização de uma cartilha com todos esses detalhes do endividamento do governo brasileiro, a fim de que tenham em mãos esses dados para os contrapor ao governo quando este vier com o discurso falacioso da falta de recursos para revisão salarial e para os serviços públicos essenciais que deveria oferecer aos cidadãos. “O dinheiro está sendo usado para pagar agiota”, resumiu. A aposentada Iclemir Costa pediu ao Sindicato que leve essas informações sobre a dívida a todos os locais de trabalho do Poder Judiciário.
Completando o que foi levantado por David Landau, o palestrante Rodrigo Ávila informou o governo deposita os dólares das reservas internacionais, que hoje chegam a US$ 380 bilhões, a juros “americanos”, atualmente uma taxa de quase 0,00%, e remunera, no resgate, pelos juros da taxa Selic (11%). “É como ir ao banco, pegar dinheiro pelo cheque especial e depositar na caderneta de poupança”, comparou. “O que podemos fazer para aumentar a participação do judiciário no orçamento”, perguntou, respondendo que isso se tornará possível a partir do momento em que se politizar a discussão do orçamento, porque, quando o governo diz que não dispõe de recursos, o que falta mesmo é vontade política. E quando os servidores forem chamados de “marajás”, basta responder que marajás são os banqueiros. “Temos que desconstruir esse discurso economicista de que o orçamento não permite, que se deve respeitar limites… temos que reforçar o discurso político sobre a questão”, concluiu.
A associação Auditoria Cidadã da Dívida
Rodrigo Ávila explicou que a Auditoria Cidadã da Dívida é uma associação civil, sem fins lucrativos, que congrega sindicatos, associações de classe, órgãos eclesiásticos, movimentos sociais e militantes que se dedicam a investigar o endividamento público brasileiro, devido ao seu enorme impacto no atendimento aos direitos sociais.
A entidade surgiu imediatamente após a realização do grande Plebiscito Popular da Dívida Externa no ano 2000, quando 6 milhões de cidadãos, em 3.444 municípios brasileiros, disseram NÃO à manutenção do acordo com o Fundo Monetário Internacional e à continuidade do pagamento da dívida externa sem a realização de uma auditoria cidadã.
Pelo volume e condições, disse o palestrante, é certo que a dívida de Minas com a União é impagável. Até 2028, o valor pago pelo Estado terá sido de R$ 76,8 bilhões, quando ainda restará um resíduo de R$ 43,8 bilhões.
Existem núcleos da Auditoria Cidadã da Dívida em vários estados. O Núcleo Mineiro, que tem como coordenadora Maria Eulália Alvarenga, é dedicado a estudar o endividamento do Estado e apresentar e discuti-lo com a sociedade, através, principalmente, do apoio das instituições e entidades.
O palestrante fez um apelo para que as pessoas ajudem a ampliar o movimento. Informações sobre como isso pode ser feito podem ser obtidas no site www.auditoriacidadadadivida.org.
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