“Novas tecnologias: processo judicial eletrônico, teletrabalho e os impactos sobre a saúde do servidor”

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“Novas tecnologias: processo judicial eletrônico, teletrabalho e os impactos sobre a saúde do servidor”. Esse foi o tema abordado por Rogério Dorneles, médico do trabalho e pesquisador de condições de saúde do judiciário do Rio Grande do Sul, em palestra proferida no sábado, 5, segundo e último dia do Seminário do Departamento de Saúde do Trabalhador e Combate ao Assédio Moral (DSTCAM) do SITRAEMG, no hotel Normandy, em Belo Horizonte. Dorneles elogiou a direção do SITRAEMG pela promoção do debate, afirmando: “Se existe um momento que temos que nos unir, é esse. Do contrário, teremos muitas dificuldades de enfrentar os próximos anos, futuro nefasto para a saúde das pessoas”.

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Rogério Dorneles, médico do trabalho e pesquisador de condições de saúde do judiciário do Rio Grande do Sul

O palestrante iniciou dizendo que não se podem contestar as tecnologias. Não fossem elas, não haveria a penicilina, a dinamite, o fogo, o avião, a produção em série, a informática. Contudo, a tecnologia, em si, depende do que se vai fazer com ela. Passando para o tema proposto, lembrou que a Reforma do Judiciário, em curso desde o início da década passada, foi determinada pelo Banco Mundial, através do documento nº 319, de 1996, dentro da política neoliberal de garantir segurança jurídica e o consequente lucro fácil para as empresas multinacionais instaladas ou que viessem a se instalar no Brasil. O prefácio do documento diz: “Necessidade de uma reforma para aprimorar a qualidade e eficiência da justiça, fomentando um ambiente propício ao comércio, financiamento e investimentos”. O que foi ditado em relação aos servidores do Judiciário: “…Os projetos devem preparar o quadro de servidores, encarregados da parte administrativa das cortes, para desenvolver o planejamento e a pesquisa necessária a aplicação das técnicas de gerenciamento processual. Também é importante que as avaliações sobre o fluxo processual sejam feitas pelas Cortes, como forma de analisar as questões relacionadas a morosidade, e estabelecer prazos padrões para processamento de processos e monitoramento individual do andamento de cada processo”.

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O médico Rogério Dorneles (segundo a partir da esquerda), ao lado dos também palestrantes professor Roberto Heloani e os psicólogos Márcio Roberto Santim e Arthur Lobato

O médico gaúcho afirmou que, para atingir tais objetivos, foram aprovadas mudanças que introduziram o ambiente de competição nos locais de trabalho, que se explica, por exemplo, coma a política de avaliação de desempenho, e o controle do tempo de trabalho, que pode ser explicado pela imposição de metas para desafogamento dos montante de processos acumulados.  É a lógica do capitalismo que contempla o acúmulo de capital – e poder – na mão de poucas pessoas e o pagamento de salários cada vez menores para os trabalhadores. No Judiciário, isso se traduz com o pagamento de salários cada vez mais altos e reajustes diferenciados para os magistrados, enquanto os dos servidores são bem inferiores e revisados por índices bem abaixo da inflação. “O valor auxílio-moradia dos magistrados é mais alto do que o salário de um professor universitário”, comparou, fazendo a seguinte observação: “Quem será atingido por isso: a gente tem que ter claro o papel que a justiça cumpre em qualquer parte da sociedade”.

 

Passando para a análise sobre os impactos negativos da implantação do PJe sem as devidas adequações da estrutura da estrutura e do quadro funcional dos órgãos do Judiciário,  e o necessário treinamento para os servidores, avaliou que, para o cidadão, essas inadequações trouxeram prejuízos como demora, menos atenção ao processo e insegurança, pelo fato de as decisões serem pré-definidas nos níveis superiores. Para os magistrados, servidores e advogados, o trabalho monótono, cansativo, com pouco espaço para a criatividade, a insatisfação e, consequentemente, o adoecimento.

Pesquisa feita nos tribunais, comparando a situação de servidores que trabalham com PJe desde 2004 com a daqueles que trabalham preponderantemente com o sistema virtual, apontou percentuais muito superiores de adoecimento entre o contingente de servidores que passaram a lidar com o processo eletrônico. Foram avaliados o grau de adoecimento em doenças oftalmológicos (dor e ardência nos olhos, ressecamento, cansaço etc.), osteomusculares (pescoço, costas, ombros etc.) e sintomas psíquicos, sendo detectado também um aumento assustador de consumo de medicamentos entre esses servidores, sobretudo de antiinflamatórios, ansiolíticos/calmantes, remédio para dormir e antidepressivos. Aumentou também o grau de desmotivação, em decorrência também de toda a pressão pelo cumprimento de metas, com a maioria dizendo que trabalha mais pela estabilidade no emprego e pelo salário do que, por exemplo, pelas perspectivas de crescimento/reconhecimento e valorização ou pelo o conforto do ambiente físico.

Algumas das formas de enfrentar esse processo de controle imposto pelo Banco Mundial e pelo neoliberalismo sugeridas pelo palestrante: impedir o avanço da luta antissindical e fim do direito de greve; lutar contra a retirada de direitos, contra o assédio moral e toda sorte de discriminações, e pela democratização nas relações hierárquicas; avaliar se o centro da luta reivindicatória deve centrar-se apenas na questão salarial; saber com o que se está lidando, pois o poder do capital é imenso no momento atual.

No espaço para debate, Dorneles disse que os médicos dos tribunais, como qualquer outro, têm que examinar e ouvir o paciente, para ter um diagnóstico real de sua saúde. E manifestou sua preocupação diante do fato de muitos cidadãos do País super graduados não “pensarem”, viverem alienados. Na sua concepção, é preciso discutir a organização do trabalho. “As pessoas, de modo geral, não gostam de perder tempo e aprender a se reunir, a ouvir para trocar informações”, lamentou.

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