Ano Novo com Previdência velha?
Mesmo com o inegável bom resultado econômico obtido ao longo de 2007 e a perspectiva de que o ano em curso poderá ser melhor, é certo que o tema “reforma da Previdência” ainda permanece – ou pelo menos deveria permanecer – em pauta. É fato inconteste, no Brasil e no mundo, que toda discussão previdenciária põe em lados contrapostos – fruto do conflito de interesses – governos e trabalhadores.
Ocorre que esses atores desconsideram um fato inconteste: a Previdência é instrumento da principal razão de ser de um Estado minimamente civilizado, que é oferecer bem-estar aos cidadãos, explicitado, neste caso, pelo consenso de que todos devem ter um adequado nível de reposição da renda perdida em face de eventos que comprometam sua capacidade produtiva, aí incluídos idade, doença, invalidez, desemprego e morte.
Exatamente por pretender compatibilizar o atendimento deste compromisso com outros interesses e necessidades é que os governos devem manter permanentemente em suas agendas o tema da Previdência. Trata-se de uma atitude coerente e o Brasil dela não escapa. O diferencial é que tratamos o tema de modo empírico, buscando referências em países desenvolvidos e com um espectro de proteção social muito mais abrangente, comparando situações desiguais, lançando mão de remédios conjunturais e pretendendo insular o tema como se ele se encerrasse em si mesmo.
Dentre as várias sugestões que permeiam o ideário reformista está o aumento da idade para a aposentadoria. Ora, de que modo podemos pretender discutir a fixação de uma idade mínima – 60/65 anos – para a aposentadoria voluntária, ou mesmo o aumento do tempo mínimo de contribuição, sem que enfrentemos temas como o do desemprego e o da exclusão previdenciária?
Sabemos que o trabalhador médio, quando alcança a faixa dos 45 anos de idade, está sujeito ao desemprego e à informalidade. Não fosse isso, é certo que, ao longo de sua vida produtiva – dos 18 aos 60 anos -, fica, em média, cerca de 20% do tempo sem que sua carteira de trabalho esteja assinada e, portanto, longe de uma relação contributiva formal. Com isso, o tempo de espera para obter uma aposentadoria voluntária gira em torno de 42 anos.
Como poderemos evoluir nesta discussão sem considerarmos o fator previdenciário?
Havido como um componente atuarial destinado à absorção do impacto das aposentadorias precoces sobre o sistema previdenciário – já que, com sua fórmula, um trabalhador que se aposenta precocemente acaba por receber um benefício bem menor do que um trabalhador que, com o mesmo tempo e os mesmos valores de contribuição, aposenta-se com uma idade maior -, o fator previdenciário destina-se a corrigir as distorções advindas das aposentadorias concedidas para trabalhadores jovens, e parece que ele cumpre esta função de modo eficaz.
Regime previdenciário ancorado na folha de pagamento formal e sob repartição tende a ser sempre desequilibrado.
Assim, não há como falar em aumento de idade ou de tempo de contribuição sem que ele seja rediscutido. Da mesma forma, não é possível pretender uma discussão séria e equilibrada sobre estes pontos sem que se enfrente o fato de que o seguro-desemprego é um benefício previdenciário. Hoje disperso, sob a gestão da Caixa Econômica e deliberação do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), o seguro-desemprego, enquanto benefício previdenciário, deveria cobrir a ausência da renda decorrente do desemprego involuntário e adotar uma adequada política de formação, reeducação e readaptação do trabalhador, incluindo até mesmo o financiamento e assessoramento de pequenos empreendedores.
A discussão também se mostra ineficaz se não equacionarmos adequadamente a inclusão previdenciária dos trabalhadores que permanentemente compõem a economia informal e daqueles que, demitidos, têm dificuldade em obter um novo emprego, permanecendo longos períodos – dois, três, ou mais anos – desempregados e, portanto, longe da cobertura previdenciária.
Para tanto, devemos considerar o fato de que as relações de trabalho sofrem uma modificação irreversível. No novo quadro laboral, o vínculo formal, com carteira de trabalho assinada, perde espaço para relações informais e até mesmo para relações laborais múltiplas e concomitantes. Com isso, um regime de previdência como o nosso, cujo financiamento é ancorado na folha de pagamento formal e sob repartição, em que os valores arrecadados dos contribuintes ativos são destinados ao pagamento dos aposentados, tende a ser permanentemente desequilibrado.
Não há dúvida de que a solução destas questões passam por uma adequada contextualização dos temas, abrangendo a busca de um novo modelo de financiamento previdenciário que permita a inclusão previdenciária sem onerar o setor produtivo.
O novo paradigma de financiamento previdenciário, em que pese o desgaste sofrido, poderia ser ancorado em uma contribuição similar à “sepultada” CPMF que, por sua característica, seria o meio mais eficaz para a inclusão da economia informal – desde que, obviamente, ela fosse compensável com a contribuição direta realizada por segurados e empresas, com o imposto de renda de pessoas físicas e jurídicas e outros encargos sociais, como a Cofins.
A compensação aproveitaria a economia formal e a inclusão previdenciária do segmento informal se daria por meio da garantia de um benefício mínimo. Mas não é só isso: esse modelo propiciaria a taxação de uma economia que não é formal ou informal, mas “marginal”, abrangendo recursos vinculados a atividades ilícitas e que, por isso mesmo, não seriam passíveis de compensação e inclusão.
A par das questões relacionadas ao financiamento e inclusão previdenciária, é necessário refletir sobre o atual modelo de gestão centrado em órgão mastodôntico como o INSS. Mas aí a história seria outra. Importa destacar que, sem adentrar na discussão quanto ao chamado Orçamento da Seguridade Social vis-à-vis ao déficit previdenciário, se considerados os números disponíveis, o déficit previdenciário estimado para este ano, na ordem de R$ 41,6 bilhões, seria zerado ou nulo.
Fonte: VALOR ON-LINE