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Entre processos e pressões: a luta dos servidores do PJU/MG por melhores condições de trabalho

Por Alice Camargo, estudante de jornalismo, filha da filiada Leda Cármen de Bessa Camargo e Andrade, servidora da Justiça Federal em Juiz de Fora
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Os artigos aqui publicados são de inteira responsabilidade da autora, não sendo esta necessariamente a opinião da diretoria do Sitraemg.


Entre processos e pressões: a luta dos servidores do Judiciário Federal por melhores condições de trabalho em Minas Gerais

Como a atuação do Sitraemg e a busca por valorização refletem diretamente no atendimento à população e na qualidade da Justiça prestada à sociedade

Em Minas Gerais, os servidores do Judiciário Federal enfrentam uma rotina marcada por sobrecarga, adoecimento e invisibilidade. Enquanto crescem as cobranças por celeridade nos julgamentos, os profissionais que operam cotidianamente os sistemas da Justiça convivem com escassez de pessoal, metas inalcançáveis, falta de estrutura e esgotamento físico e mental.

O que está em jogo não é apenas o bem-estar dos servidores, mas o acesso da população à Justiça. “A Justiça é feita por pessoas. Quando essas pessoas estão doentes, sobrecarregadas, desvalorizadas, a sociedade inteira perde”, alerta Antônio Carlos de Andrade Filho, coordenador executivo do Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário Federal no Estado de Minas Gerais (Sitraemg)

Com três décadas de trajetória, o sindicato tem ampliado sua atuação para além das pautas remuneratórias, focando também na saúde dos servidores, na valorização profissional e na mobilização social.

O papel histórico do Sitraemg

Fundado durante o período de redemocratização, o Sitraemg surgiu como resposta à necessidade de organização dos servidores da Justiça Federal em Minas Gerais. Inicialmente voltado à conquista de reajustes e regulamentações básicas da carreira, o sindicato passou a atuar de forma mais ampla a partir dos anos 2000, com foco em saúde no trabalho, condições de exercício da função, assédio institucional e reorganização do sistema de cargos.

Com sede em Belo Horizonte, o sindicato expandiu sua base para atender servidores da capital e de todas as regiões do estado, onde a precarização é ainda mais aguda. Nos últimos anos, o SITRAEMG intensificou sua presença nas lutas nacionais por recomposição salarial e pela reestruturação das carreiras no Judiciário Federal, além de realizar denúncias públicas sobre a realidade enfrentada por seus representados.

Membros do Sitraemg em paralisação em prol da recomposição salarial

Atualmente, a entidade participa de fóruns técnicos do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), articula com a Fenajufe (Federação Nacional dos Trabalhadores do Judiciário Federal e Ministério Público da União), promove encontros regionais e atua politicamente junto ao Congresso Nacional.

A escassez que paralisa

Em 2016, com a aprovação da Emenda Constitucional nº 95, que instituiu o teto de gastos públicos, os investimentos em pessoal no serviço público federal foram congelados por duas décadas. Desde então, não houve recomposição proporcional das aposentadorias e exonerações no Judiciário Federal. O resultado é um cenário de escassez humana, onde poucos servidores precisam atender demandas cada vez maiores.

Segundo levantamento da Fenajufe (Federação Nacional dos Trabalhadores do Judiciário Federal e Ministério Público da União), o número de servidores ativos caiu 10,7% entre 2017 e 2023. Nesse mesmo período, o volume de processos cresceu em média 24%, de acordo com os Relatórios Justiça em Números do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O descompasso entre demanda e estrutura tem causado impactos graves não apenas na saúde dos trabalhadores, mas também no tempo de tramitação dos processos.

“Vai haver cada vez menos funcionários para mais processos”, resume Daniela Alencar, servidora da Turma Recursal da Subseção Judiciária de Juiz de Fora e afiliada do Sitraemg. Segundo ela, o acúmulo de funções, a cobrança por metas e a falta de novos colegas para dividir a carga têm gerado esgotamento físico e emocional. “Um processo eletrônico não anda sozinho”, ressalta.

Adoecimento silencioso e metas inalcançáveis

Para o psicólogo Arthur Lobato, que acompanha os servidores via Sitraemg, a forma como as metas de produtividade são impostas contribui para o sofrimento psíquico. “A lógica do trabalho no Judiciário está baseada em metas. Os tribunais não levam em conta o número de servidores para defini-las. Isso gera um esgotamento permanente”, explica.

Os relatos mais frequentes são de burnout, ansiedade e depressão. Em alguns casos, os afastamentos duram meses, sem que a vaga seja temporariamente preenchida. “É um sistema que suga até onde pode. Quando o servidor quebra, simplesmente substituem. Mas não há mais substitutos. A conta está chegando”, alerta Lobato.

Nas cidades menores, a precarização se intensifica. “Tem lugar onde o servidor faz tudo: agenda audiência, atende o público, paga conta de luz do prédio, liga para o eletricista. Isso é absurdo”, denuncia Antônio Salgado, também servidor da Turma Recursal da Subseção Judiciária de Juiz de Fora. A centralização da gestão em grandes centros e a falta de equipes completas nas unidades do interior tornam o cotidiano desses servidores ainda mais desafiador.

Muito mais do que apenas um relato: um espelho da sociedade atual

Os desafios enfrentados pelos servidores do Judiciário Federal ganham uma dimensão ainda mais concreta quando se ouve quem viveu na pele as consequências da precarização. O coordenador executivo do Sitraemg compartilha uma experiência pessoal que reflete as condições enfrentadas diariamente por muitos.

“Precisei me afastar por cerca de 10 meses em licença médica por motivo de saúde mental, devido à precarização das condições de trabalho no meu antigo posto, o Cartório Eleitoral da 128ª Zona Eleitoral de Inhapim. O afastamento teve início em junho do ano passado e só consegui retornar ao trabalho em março deste ano, após obter administrativamente uma remoção por motivo de saúde para a 71ª Zona Eleitoral de Caratinga.”

Além do impacto pessoal, Antônio destaca a ampliação das demandas nas unidades eleitorais. “Ingressei na Justiça Eleitoral em 2016 e percebo que, hoje, há um número significativamente maior de tarefas a serem executadas nos Cartórios Eleitorais em comparação à época em que entrei em exercício. Muitas vezes, essas unidades não contam com um quantitativo adequado de servidores para dar conta da demanda. Uma sobrecarga de trabalho imposta pelas metas do Poder Judiciário, que contribui para casos crescentes de adoecimento mental na área”.

Esse relato reforça que a luta por melhores condições de trabalho não é abstrata ou distante, está ancorada nas vivências concretas dos servidores que mantêm o Judiciário em funcionamento.

A precarização é nacional

A crise enfrentada pelos servidores do Judiciário Federal em Minas Gerais está longe de ser um caso isolado. Em diferentes partes do país, a sobrecarga de trabalho, a escassez de pessoal e a desvalorização profissional configuram uma realidade comum. De acordo com levantamento divulgado pela Fenajufe, cerca de 70% das unidades da Justiça Federal no interior brasileiro operam com número de servidores inferior ao necessário para o pleno funcionamento.

Além das desigualdades regionais, os servidores do Judiciário enfrentam uma disparidade estrutural em relação a outros poderes e instituições, especialmente o Ministério Público da União (MPU) e o Legislativo Federal. Segundo nota técnica publicada pela Fenajufe em abril de 2023, os servidores do MPU recebem gratificações superiores, mesmo tendo funções e atribuições semelhantes às dos servidores do Judiciário. Essa defasagem se aprofunda quando comparados a benefícios como auxílio-saúde, estrutura física de trabalho e investimentos em capacitação.

A sensação de injustiça é constante. “Não adianta ter um prédio bonito, informatizado, se não há servidor para atender o cidadão”, afirma Daniela Alencar. Para ela, o contraste entre os diferentes ramos do serviço público é gritante: “Enquanto em outros órgãos há concursos regulares, equipes completas e apoio institucional, nós seguimos com menos gente, mais processos e quase nenhuma perspectiva de melhoria. E quem sofre com isso também é quem está do outro lado do balcão, esperando por uma resposta da Justiça”.

Prédio da Subseção Judiciária de Juiz de Fora teve valor do empreendimento de R$8.802.652,00, e verba proveniente da Justiça Federal.

Contrastes e desigualdades: disparidades no serviço público

Daniela aponta que a ausência de valorização não está restrita à remuneração, mas também ao reconhecimento da função essencial que os servidores cumprem no Judiciário. “Há uma narrativa de que só juízes fazem Justiça. Mas sem quem protocola, quem analisa, quem atende, quem publica os atos, nada anda. E estamos sendo deixados para trás”, desabafa.

A falta de isonomia entre os poderes também afeta o clima institucional. Arthur Lobato observa que muitos servidores internalizam essa desigualdade como fracasso pessoal, o que agrava quadros de ansiedade e baixa autoestima. “A comparação com colegas de outros órgãos é inevitável. O servidor se sente inferiorizado, abandonado, e isso contribui para o adoecimento”, analisa.

Para Leda Camargo, servidora do Judiciário há mais de duas décadas, “é fundamental para a entrega de um serviço de melhor qualidade, o ser humano ser valorizado, pois estará mais motivado e, consequentemente, mais produtivo.” Essa valorização, segundo Leda, é imprescindível para enfrentar os desafios do cotidiano e garantir um atendimento eficiente à população.

O problema, portanto, não é apenas de gestão, mas de prioridade política. Enquanto algumas instituições seguem sendo fortalecidas com recursos e pessoal, o Judiciário Federal, especialmente nas suas bases, permanece negligenciado. E essa negligência custa caro: afeta o trabalhador e compromete o direito da população ao acesso efetivo à Justiça.

Uma tentativa de recomposição

Tramitando no Congresso Nacional, o Projeto de Lei nº 4/2024 propõe a reestruturação das carreiras do Judiciário Federal. Entre os principais pontos da proposta estão: o reajuste salarial com base na inflação acumulada dos últimos anos, a revisão das gratificações por qualificação (que recompensam formação acadêmica e cursos específicos) e a atualização dos Planos de Cargos e Salários (PCS), instrumento que define as progressões na carreira e remuneração dos servidores.

Esses elementos têm sido bandeiras constantes dos sindicatos da categoria, especialmente diante da crescente defasagem salarial registrada na última década. O SITRAEMG é uma das entidades que atua na articulação pela aprovação do projeto. Para Rogéria Civinelli, servidora da Justiça Federal, a luta é por condições básicas. “Precisamos de condições mínimas para exercer nossas funções. Isso passa por respeito, estrutura e saúde.”

Rogéria reforça que a reestruturação da carreira vai muito além da questão salarial. “Estamos falando de valorização do servidor como um todo. Não é apenas um aumento, é uma tentativa de reorganizar o Judiciário para que ele funcione melhor. E isso beneficia diretamente a população que precisa dele.”

A luta agora, segundo os representantes sindicais, é garantir que o projeto avance nas comissões da Câmara e do Senado sem ser desfigurado por cortes ou vetos.

O acolhimento como resistência

Nesse cenário, diante do adoecimento crescente da categoria, o Sitraemg criou um Departamento de Saúde do Trabalhador, que atua na escuta ativa e no encaminhamento psicológico e jurídico dos servidores. A equipe realiza visitas técnicas às unidades, produz boletins informativos, media conflitos e oferece apoio a quem está em sofrimento.

O Estatuto do Sitraemg estabelece como um de seus deveres “propor, encaminhar e fiscalizar ações que visem à defesa e preservação da saúde do trabalhador”, reforça o coordenador executivo.

“Muitas vezes, o servidor não sabe nem que está sofrendo assédio moral institucional. A gente ajuda a identificar e a enfrentar essas situações”, explica Lobato. Além disso, o sindicato promove campanhas como “Saúde Mental no Judiciário é Direito”, além de seminários, rodas de conversa e cartilhas voltadas ao bem-estar.

Mesa sobre saúde mental no XXII Congresso Estadual Ordinário do Sitraemg.

“A gente precisa combater a lógica do adoecimento. Quando o servidor está fragilizado, todo o funcionamento da Justiça é impactado, e quem mais sofre é o cidadão, que depende de um atendimento público eficiente e humanizado”, afirma Antônio Carlos. Segundo ele, o sindicato tem insistido que saúde e valorização profissional devem andar juntas, e que não se faz justiça sem servidores respeitados e saudáveis.

Efeitos para a sociedade

Com prazos mais longos, audiências remarcadas e maior índice de erros materiais, cresce a insatisfação da sociedade com o Judiciário. No entanto, poucos associam esse quadro à falta de pessoal. A percepção generalizada de lentidão esconde uma realidade de esforço e sacrifício invisibilizado.

“Já me deparei com situações de partes falecidas no decorrer de processos que, caso tivessem sido julgados com maior celeridade, poderiam impactar positivamente em suas respectivas vidas”, relata Daniela.

Em áreas como Juizado Especial Federal e Justiça Federal do interior, onde a carência de servidores é ainda maior, a lentidão compromete diretamente o acesso a direitos fundamentais.

Esse distanciamento entre o serviço prestado e a expectativa da sociedade fortalece o descrédito nas instituições. No limite, compromete a própria função do Judiciário como garantidor de direitos e mediador de conflitos sociais. O que os servidores e sindicatos defendem, portanto, não é um privilégio de classe, mas a estrutura mínima necessária para que a Justiça seja, de fato, acessível, eficaz e humana.

O grito de alerta

Para Leda Camargo a situação atual é desoladora. “Hoje, a gente olha em volta e vê colegas doentes, afastados, deprimidos. E o pior: ninguém entra no lugar. O serviço continua, os prazos continuam, e a gente vai se virando. Mas até quando?”

Daniela Alencar também relata o impacto cotidiano da sobrecarga. Segundo ela, a falta de reconhecimento institucional aprofunda esse desgaste. “O trabalho está muito invisibilizado. A gente se dedica, se compromete, mas parece que não enxergam o que a gente está passando.”

Rogéria Civinelli compartilha a mesma sensação de exaustão acumulada. “Eu vejo muita gente adoecendo. Isso não é de agora. E esse sofrimento vai se agravando com o tempo.”

Antônio Salgado reforça que a realidade atual não é fruto de escolhas pessoais, mas de um processo de abandono institucional. “A impressão que eu tenho é de que a gente está sendo deixado de lado. A cada direito que a gente perde, tem que lutar muito para tentar recuperar. Mas a luta é constante, cansativa, e parece que só a gente enxerga isso.”

As falas dos servidores apontam para um colapso anunciado, um sistema sustentado pelo esforço individual dos trabalhadores, muitas vezes às custas da própria saúde física e mental. O grito de alerta está dado: nas ruas, nos movimentos organizados e nas ações do sindicato.

Reconhecimento também é justiça

Assim, os servidores reforçam um apelo à sociedade: que se compreenda a verdadeira natureza de sua atuação. Para Daniela Alencar, é fundamental que a população saiba separar a imagem distorcida que muitas vezes é construída: “É muito importante que a população em geral entenda que não somos ‘inimigos do povo’, que o serviço por nós desempenhado é essencial e que são raros os casos de servidores descumpridores de seus deveres. Também é importante que saibam distinguir o servidor dos magistrados, pois quando a mídia divulga salários astronômicos do ‘Judiciário’, o leigo tende a acreditar que isso abarca todos os servidores.”

Já Leda Camargo reforça: “Há muito trabalho sim. A opinião pública muitas vezes considera o servidor público um ‘marajá’, como foi difundido pela mídia tempos atrás. Mas não é verdade. Em qualquer setor há bons e maus trabalhadores, não se pode generalizar.” Ao fim, o que os servidores pedem não é privilégio, mas reconhecimento: que sua luta por condições dignas de trabalho seja entendida como parte da luta por uma Justiça mais humana e acessível a todos.

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