A segunda palestra do Encontro Regional Centro-Oeste, em Divinópolis, na manhã deste 22 de março, tratou de um tema que sempre desperta interesse e gera muita participação: a saúde do servidor do Judiciário. Para isso, a psicóloga, psicanalista e coordenadora de Saúde e Relações de Trabalho do Sindicato, Débora Melo Mansur, falou sobre a Pesquisa Geral de Saúde de Servidores do Judiciário Federal, realizada entre 2011 e 2012 pelo Sintrajufe-RS, sindicato que representa a categoria no Rio Grande do Sul.
A pesquisa traz um grande panorama do impacto da implantação do Processo Judicial Eletrônico (PJe) na saúde dos servidores, utilizando as respostas de 3.744 servidores, 60% do total de trabalhadores do RS. A maioria daqueles que responderam são da área judiciária de 1º grau, com curso superior, do sexo feminino e moradores de Porto Alegre, capital do estado – no entanto, Débora acredita que a pesquisa pode ser considerada quase censitária, pelo número expressivo de trabalhadores que participaram. Os maiores números da pesquisa referem-se à Justiça Federal, mas unicamente pelo fato da informatização ter sido realizada lá primeiro; as justiças eleitoral e trabalhista também responderam aos questionários, que revelaram que estes trabalhadores também já estão profundamente afetados.
Em “Organização do Trabalho”, a pesquisa aponta um elevado número de pessoas que levam trabalho para casa e para fazerem nos finais de semana. Os participantes da pesquisa atribuem isso ao número de servidores menor que o necessário, às metas de produtividade, à ampliação de atribuições, além da complexidade dos processos.
Ao longo do estudo, fica claro que as pausas durante o trabalho são o elemento fundamental para evitar dores e outros danos à saúde, mas ainda não são feitas em nenhum momento por 13,9% dos servidores. Os motivos disso são, entre outros, a própria pressão dos colegas, que enxergam o colega que realiza pausas regularmente como aquele que “enrola o trabalho”, que não rende.
Dores nos olhos e no corpo
A coordenadora ainda apontou que as dificuldades levantadas na pesquisa quanto à avaliação do processo eletrônico incluem a impossibilidade de marcar o texto durante a leitura, e que, quanto maior o texto, maiores a monotonia e a dificuldade de concentração. Quanto à leitura dos processos, foi revelado que é mais difícil no monitor devido ao cansaço das vistas; pela extensão do texto; e pela impossibilidade de marcar os textos. O estudo mostra, também, que a possibilidade de cometer erros é muito maior pela forma como são nomeados os documentos pelas partes; o pouco tempo para análise e a dificuldade para verificar a autenticidade deles. “É comum, aqui, surgir a síndrome do ‘olho-computador’, porque piscamos menos, levando à ardência e ressecamento dos olhos”, disse Débora, recomendando mais uma vez a realização das pausas.
Ela citou, ainda, que no PJe o trabalho é realizado com dois monitores e é difícil manter o mesmo brilho e contraste nas duas telas, o que pode contribuir para aumentar ou fazer aparecer os problemas de vistas. As dores no pescoço, ombros, costas, braços e pernas também destacam um aumento no percentual após a implantação do PJe. O indicativo de distúrbios psíquicos e o uso de medicamentos e tratamentos também aparecem como consequências da implantação do sistema.
Desmotivados e discriminados
A pesquisa também revelou que os servidores sentem-se desmotivados pela desvalorização social, revelada pelo senso comum que diz que servidores públicos são “marajás” e “um peso” para o orçamento público – e pelas metas a cumprir. De acordo com a palestrante, isso mostra que as metas estabelecidas pelo Judiciário são “irreais”, posto que estas, quando adequadas, desafiam e impulsionam o trabalhador.
Uma das questões abordadas pela pesquisa diz respeito à discriminação. Dos servidores que declararam sofrer algum tipo de discriminação, a maior parte (2,6%) disse se sentir discriminada por se afastar para tratamentos de saúde. Débora Mansur deu vários exemplos que mostram que existe uma pressão, ainda que velada, vinda da administração e por vezes dos próprios colegas, para que eles não se ausentem. “Por mais que gostem do colega, eles [os outros servidores] acabam pressionando porque sabem que, na falta de um, os outros ficam sobrecarregados, e ninguém quer isso”, disse Mansur.
Outro dado interessante da pesquisa realizada pelo sindicato do Sul do país surgiu do cruzamento de alguns resultados obtidos: não há relação entre o adoecimento e a idade ou cargo ocupado. “Não é o avanço da idade que mais compromete a saúde, mas o tempo trabalhado, que evidentemente será cada vez maior, e o tipo de trabalho realizado pelos servidores, que será mais homogêneo do ponto de vista da exposição aos fatores críticos para distúrbios de saúde à medida que progride a migração para os processos eletrônicos”, conclui o estudo.
Adoecimento e carreira estão ligados
A coordenadora Débora Melo Mansur fez uma relação entre o adoecimento dos servidores do Judiciário e o problema da ausência de uma carreira para o segmento. Sintomas como a desmotivação com o trabalho, detectados pela pesquisa, estão diretamente ligados a isso, já que o servidor fica sem uma perspectiva de crescimento. O Documento 319 do Banco Mundial (leia-o aqui) também tem sua parcela de culpa no processo, já que visa tornar o Judiciário um ambiente cada vez mais a favor das empresas e distante de seus servidores e da população, sacrificando a qualidade de vida e a justiça social.
Para piorar a situação, o governo federal e a grande mídia insistem em jogar a população contra os servidores públicos, ao apontar seus reajustes como os grandes “vilões” dos gastos da União – a verdade, conforme mostrou Débora Mansur, relembrando a palestra de abertura do Encontro (leia aqui), é que o governo gasta mais dinheiro pagando os juros de uma dívida pública que nunca diminui do que com todo o conjunto da saúde, educação, habitação e Judiciário.
Para a sindicalista do SITRAEMG, os trabalhadores precisam se organizar para combater a situação, que parece piorar a cada dia – e isso passa pelas entidades sindicais. Assim, ela chamou os colegas a se envolverem nas atividades do Sindicato e deixarem de lado preconceitos que atribuem a militância sindical a “coisa de baderneiros”. Débora Mansur acredita que os servidores precisam “acordar” o quanto antes.
Janaina Rochido, de Divinópolis