Artigo: “Porque não extinguir uma justiça especializada”

Compartilhe

Por Alexandre Oliveira, servidor da 4ª Circunscrição da Justiça Militar, de Juiz de Fora

Diante da notícia de que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) vai criar um grupo de trabalho para estudar a possibilidade de propor ao Poder Legislativo a extinção dos Tribunais Militares Estaduais e do Superior Tribunal Militar, a primeira pergunta que surge é se uma justiça especializada é questão de viabilidade.

A Justiça Militar já ficou na berlinda outras vezes. O que causa perplexidade é perceber que todas as justiças especializadas já passaram por momentos semelhantes, sendo possível que o projeto constitucional de tribunais especializados esteja ameaçado por caprichos políticos.

Vamos fazer uma pequena retrospectiva, levando em consideração os três ramos especiais da Justiça Federal.

1)      Justiça Trabalhista

“Por ocasião da proposta de Emenda à Constituição nº 96-A/92, o deputado Aloysio Nunes Ferreira propôs em seu parecer o fim da Justiça Laboral. Parecer posteriormente substituído pelo parecer da deputada Zulaiê Cobra Ribeiro que conservou esta Justiça Especial alterando, substancialmente e oportunamente, sua competência.¹

2)      Justiça Eleitoral

Em reportagem publicada no jornal Valor Econômico (10/02/2011), o líder do PTB na Câmara, Jovair Arantes (GO), sugeriu a extinção da Justiça Eleitoral como principal proposta para o debate da reforma política. Arantes dizia que a intenção era botar o “dedo na ferida”:

“O líder do PDT na Câmara, Giovanni Queiroz (PA), reconhece que `a tese de Jovair` mexeu com a cabeça de muita gente no Congresso. `Temos que acabar com essa estrutura do TSE e dos TRE’s. Não há razão para que as ações não sejam julgadas pela Justiça Comum. Os Juízes são emprestados, não são especialistas na matéria`, defende. Queiroz sugere que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) exerça as funções do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e que os tribunais de justiça estaduais ou os regionais federais desempenhem o papel dos Tribunais Regionais Eleitorais (TRE’S). Qual seria a vantage? ´Menos palacetes seriam construídos. Eles agridem a miséria brasileira`.²

3)      Justiça Militar

Os que desejam a extinção da justiça castrense alegam que esta consome R$ 322 milhões, para reduzido número de processos. Assim, cumpre questionar: a Justiça Militar deveria ter grande número de processos?

Claro que não. Esta Justiça busca tutelar bens como a hierarquia, disciplina, serviço e dever militar. Bens que estão ameaçados, primordialmente, em tempos de exceção. Logo, um grande número de processos é um indicativo tenebroso.

Cada justiça possui uma razão de existir. São expressões do poder constituinte democrático que, como arquiteto, projetou os anseios sociais por uma justiça que atenda a especificidade de fatos e grupos sociais.

Os ruídos por extinção de qualquer ramo especializado faz depreender que as justiças especializadas são vistas como meras seções técnicas prestadoras de serviço público, submetidas ao sabor político em desrespeito ao projeto social previsto na constituição de especialização dos ramos do poder judiciário.

Assim sendo, passamos a analisar a importância de cada Justiça para a engenharia social.

A Justiça do Trabalho é fruto das lutas sociais nas relações laborais que continuam através dos séculos. A visão superficial de que a justiça obreira existe para privilegiar o trabalhador é uma visão míope propagada pelo poder econômico, que quer desconhecer a verdadeira vocação dessa justiça que é a promoção da dignidade humana nas relações trabalhistas.

Não se extingue, como querem alguns, a resposta das lutas sociais quanto à Justiça do Trabalho.

Já quanto à Justiça Eleitoral, devemos lembrar que,

No Brasil, a Justiça Eleitoral é uma das instituições mais antigas do sistema político. Veio na esteira da Revolução de 30 e tinha como objetivo moralizar o processo eleitoral e acabar com as fraudes que marcaram a República Velha.³

Dessa forma, antes de se falar em sazonalidade da Justiça Eleitoral, o Poder Público deve se preocupar em estruturar este órgão que possui maioria de servidores requisitados, principalmente no interior, onde a JE se transforma em apêndice da prefeitura, devido à quase totalidade de servidores requisitados dos órgãos municipais.

A Justiça Eleitoral é modelo para países com democracias consolidadas, como os Estados Unidos. O sistema de urna eletrônica e o biométrico são avanços invejáveis. Lewandowski, à época presidente do TSE, apontou o baixo custo das eleições em 2010 – R$ 3,60 por cidadão, “ o preço de um café com leite” – a eficiência do TSE, que divulgou o resultado presidencial em 1 hora e 40 minutos.4

Só esses motivos afastam qualquer pretensão de extinguir a Justiça Eleitoral. Sua função está estritamente ligada ao exercício da cidadania.

A justiça Militar é órgão destinado a tutelar a regularidade das instituições militares, justiça com parâmetros de primeiro mundo. Vamos a uma comparação.

O Supremo Tribunal Federal comemorou a tramitação de 90 mil processos em 2010. No ano de 2011, tramitaram no Tribunal 67.395 processos, significando uma redução de 25,3% da quantidade em relação ao ano de 2010. Já a Suprema Corte Americana possui a média de 80 julgamentos por ano.

O que leva ao pouco número de processos na Justiça Militar não é apenas o seu objeto de jurisdição, ao contrário da justiça comum. Observamos que os réus da Justiça Militar possuem qualificação profissional e emprego. São, na maioria, militares. Aliado a isso, o Código Penal Militar é a última ratio. Os militares estão sob forte controle administrativo, o que reduz, ainda mais, o número de processos.

Podemos compreender a importância da Justiça Militar quando percebemos que o constituinte de 1988 manteve das constituições anteriores, devido a peculiaridade da caserna. Os militares possuem particularidades que refletem as características das próprias Forças Armadas – como exemplo, a hierarquia.

O princípio primeiro de divisão social de tarefas, papéis e status dentro do Exército, determinando as condutas e estruturando as relações de comando-obediência, sistematizando a ação e a elaboração do conhecimento militar e mapeando o modo como as relações de poder devem estruturar-se (…) hierarquia é a base sobre a qual se exteriorizam cotidianamente sinais de respeito, honras, cerimonial, continência, ordens e comandos (…). Pode-se dizer que é a partir dela que se espelham as relações sociais e a visão de mundo dos militares.5

Princípios caros ao mundo civil como a igualdade, no mundo militar, possui denotação própria, pois sua organização é feita por níveis hierárquicos.

A exigência de uma Justiça Militar é devida à preservação dos bens caros às Forças Armadas resumidos na sua regularidade, destinadas à defesa da pátria, garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem, além de atribuições subsidiárias como auxilio à segurança pública.

É a atuação das Forças Armadas com suas peculiaridades que exige um ramo especializado. Cada força, cada especialidade militar possui uma lógica própria diferente do mundo civil. Por este fato, a Justiça Militar funciona de forma a aliar o conhecimento técnico do Juiz togado ao dos Juízes Militares componentes do Conselho.

 

([1]) Georgenor de Souza Franco Filho, in www.planalto.gov.br/ccivl_03/revista/Ver_06/refor_jud2.html, consultado 06 ABR 13

(2) Justiça Eleitoral na berlinda in: www.diariode umjuiz.com.br/?p=2414 consultado em 06 ABR 13.

(3) In: HTTP://www.diariodeumjuiz.com.br/?p+2414

(4) Aput

(5) Antropologia dos militares – Celso de Castro Piero Leirner. Ed.  FGV ano 2009 

Compartilhe

Veja também

Pessoas que acessaram este conteúdo também estão vendo

Busca

Notícias por Data

Por Data

Notícias por Categorias

Categorias

Postagens recentes

Nuvem de Tags