No dia 28 de janeiro de 2004, três servidores do Ministério do Trabalho – os auditores fiscais do trabalho Nelson José da Silva, João Batista Lage e Eratóstenes de Almeida Gonçalves, e o motorista Ailton Pereira de Oliveira – foram barbaramente assassinados em uma emboscada quando realizavam uma diligência de fiscalização do trabalho na zona rural de Unaí, no Noroeste de Minas Gerais. Passados 15 anos, foram presos, até agora, apenas os quatro responsáveis pela execução: por crime triplamente qualificado, os pistoleiros, Rogério Alan Rocha Rios, a 94 anos de prisão, Erinaldo de Vasconcelos Silva, a 76 anos, e William Gomes de Miranda, a 56 anos; e Hugo Alves Pimenta, na condição de réu delator, teve sua pena atenuada, recebendo uma sentença de 46 anos, 3 meses e 27 dias de reclusão. Os irmãos e fazendeiros Antério e Norberto Mânica, acusados de serem os mandantes, foram condenados a cem anos de prisão, mas eles recorreram em liberdade e continuam soltos.
Por esse motivo, o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho – Delegacia Sindical de Minas Gerais (Sinait-MG), como faz todos os anos nesta data, promoveu, na manhã desta segunda-feira (28/01), ato público cobrando justiça para o caso, que seria a prisão dos irmãos Mânica. Estiveram presentes vários auditores fiscais do trabalho e representantes de diversas entidades sindicais, incluindo o SITRAEMG, por meio do coordenador geral Carlos Humberto Rodrigues.
A manifestação acabou sendo marcada por muita emoção, já que também nesta segunda-feira completam-se três dias do crime ambiental de Brumadinho, ocorrido na última sexta-feira (25/01), quando rompeu-se a barragem da Mina do Feijão, pertencente à Vale, sócia da Samarco, que é responsável também pelo crime ambiental de Mariana, ocorrido em novembro de 2015, com o rompimento de duas barragens e a consequente morte de 19 pessoas, centenas de desabrigados, destruição do distrito de Bento Rodrigues e degradação ambiental de várias regiões ribeirinhas e do rio Doce. Durante o evento, foi exibido vídeo sobre contando a história da chacina. Foi também feita chamada dos nomes cada um dos quatro servidores assassinados, com todos os participantes do ato respondendo “presente”, e cumprido um minuto de silêncio pelos mortos no crime ambiental ocorrido na sexta-feira, em Brumadinho.
O ato começou com a exposição dos três componentes da mesa: Marcelo Gonçalves Campos, delegado sindical em Minas Gerais do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho); José Augusto, presidente da Associação dos Auditores Fiscais do Trabalho de Minas Gerais (Aafit) à época da chacina; e o professor Cleber Lúcio, da PUC/Minas. O DS do Sinait apresentou um histórico da Chacina de Unaí, lembrando que os funcionários do Ministério do Trabalho realizavam uma diligência rotineira no momento da emboscada. O auditor Nelson José da Silva era o responsável pela fiscalização da região. Porém, recebeu reforço dos dois companheiros, além do motorista, porque o Ministério do Trabalho havia decidido fechar o cerco contra os irmãos Mânica, grandes produtores de feijão da região, pois havia descoberto fortes indícios de abusos cometidos por eles em relação aos seus trabalhadores, desrespeitando de forma gritante as leis trabalhistas. Referindo-se à impunidade até hoje gozada pelos dois empresários do agronegócio, ressaltou que isso invelizmente é fruto das concessões que são feitas aos grandes detentores de recursos econômicos. Não é à-toa, criticou ele, que o direito penal no Brasil é classificado como “direito do PPP”, pois pune somente “preto, pobre e puta”. “Não lutamos por vingança. Lutamos por justiça”, salientou. O representante da Aafit-MG, ostentando no peito a bandeira de Minas Gerais, explicou que o fazia não só pela impunidade da Chacina de Unaí mas também em protesto pelo crime ambiental de Brumadinho. “Nossa legislação favorece o assassino, a impunidade. Mas, enquanto houver a indignação, haverá um ponto de esperança”, disse, defendendo a continuidade da luta contra a impunidade para aqueles que continuam desrespeitando as leis que tratam dos direitos sociais, trabalhistas e ambientais. Por sua vez, o representante da PUC/MG destacou a importância de se valorizar os verdadeiros heróis que são os servidores que trabalham para impedir que se desrespeitem as leis nos empreendimentos econômicos, e passam-se por anônimos no dia a dia e são lembrados somente quando crimes como esses acontecem. A Chacina de Unaí, assim como os crimes ambientais de Mariana e Brumadinho, eram previsíveis, observou o professor Cleber Lúcio. Afirmou, também, que a decisão do governo de extinguir o Ministério do Trabalho e intenção de acabar também com a Justiça do Trabalho está dentro da lógica de que “fechar” essas instituições torna ainda mais barato o trabalho para os empresários. “Os verdadeiros heróis é que devem ser celebrados. As mortes deles é que dão força para continuarmos lutando”, exortou.
Representantes das entidades
Passando para a falas de auditores fiscais e representantes de entidades presentes, o chefe da Seção de Saúde e Segurança do Trabalho da Delegacia do Trabalho de Minas Gerais, Ricardo Ferreira Deusdará, informou que estava de saída para a Mina do Feijão, juntamente com uma equipe de 10 colegas responsáveis por um trabalho de apuração das irregularidades trabalhistas responsáveis pelo rompimento da barragem. Ele recorreu à ironia para fazer um paralelo entre os crimes ambientais de Mariana e Brumadinho, dizendo que, na primeira, foram “só” 19 mortos, enquanto na da última sexta-feira esse número poderá chegar a 300. Talvez por isso, provocou, agora seja feita maior reflexão para se buscar outros modos de desenvolver a atividade minerária de forma mais responsável, segura e sem riscos. Lembrou que as fiscalizações que foram feitas apontaram os riscos à vida dos trabalhadores da mineradora, mas foram desrespeitadas pela empresa.
Também apresentou seu depoimento Adriana Augusta, do Ministério Público do Trabalho, que lembrou que o auditor Nelson havia elaborado um relatório, em 2003, que apontava as irregularidades nas propriedades dos irmãos Mânica. O documento era tão consistente que gerou ação na Justiça do Trabalho e, em 2007, determinado a cobrança de uma multa que foi paga imediatamente pelos empresários do agronegócio. “A luta precisa ser contínua. Precisamos continuar a fiscalizar”, conclamou. O advogado Humberto Marcial Fonseca, da Associação Brasileira de Advogados do Trabalho (Abrat), criticou a onda de violência que tem causado medo na sociedade. “Querem nos amedrontar”, disse, enunciando que o governo quer acabar com todas as instituições que trazem a palavra “trabalho” em sua nomenclatura – Ministério do Trabalho, Direito do Trabalho, Justiça do Trabalho, Ministério Público do Trabalho. Salientou, no entanto, que isso obriga a sociedade a dar uma visibilidade ainda maior aos crimes cometidos contra ela.
Ilvia Franca, coordenadora do Fórum Mineiro em Defesa da Previdência Social, destacou que são 130 anos do abolição oficial da escravatura no Brasil, 24 anos que o governo reconheceu a existência do trabalho escravo, 15 anos da Chacina de Unaí e 3 dias do crime de Brumadinho, e que o governo continua determinado a acabar com os direitos sociais da população. “Precisamos aproveitar esse momento de reflexão para lutarmos cada vez mais para minimizar a destruição do nossos direitos do trabalho e sociais, para melhorar o pais”, convocou. Representante da Associação Nacional das Vítimas do Amianto (Abrea), e trabalhadores de Pedro Leopoldo, também estiveram presentes para denunciar a falta de assistência a esse segmento e manifestar apoio às vítimas da Vale e Brumadinho. O representante da CUT/MG, Jairo Medeiros, manifestou solidariedade aos auditores fiscais do trabalho e defendeu a união de todos em defesa das lutas dos trabalhadores. Já a deputada Jô Morais (PCdoB/MG) ressaltou que, apesar dos 15 anos de imunidade, são também 15 anos de resistência e de conquistas, em razão da aprovação da Emenda Constitucional nº 81, também conhecida como “PEC do trabalho escravo”.
SITRAEMG
O representante do SITRAEMG, Carlos Humberto Rodrigues, lembrou que o Judiciário também é envolvido na luta contra o trabalho escravo, e que os processos mostram os subterfúgios utilizados pelas empresas para utilizarem-no impunemente. Disse ainda que o serviço público está sendo “assassinado” todos os dias e que “temos que lutar contra isso”, manifestando ainda sua consternação pelo fato de o Poder Judiciário julgar os processos mais por influências políticas e econômicas do que pelo direito propriamente dito. “Temos que lutar pelo trabalho digno dos auditores fiscais, pelo trabalho digno na Justiça do Trabalho, que não pode ser extinta, pelo trabalho digno dos servidores do Ministério do Trabalho”, conclamou.